ODS

A mudança que começa na esquina de casa

Iniciativas comunitárias no Reino Unido fortalecem economias locais, reduzem a pobreza infantil e criam ruas onde todos podem se sentir seguros

Viver em uma vizinhança em que é possível passear com o cachorro sem preocupações, todo mundo se conhece pelo nome, as crianças brincam com segurança no parque e todos se ajudam quando algo acontece, para muitos, pode parecer utopia. 

Mas em várias comunidades do Reino Unido, esse cenário está se tornando realidade graças a um modelo específico de transformação social em que os próprios moradores mapeiam os problemas locais, decidem as prioridades e tocam os projetos.

Conhecidas como neighbourhood-based initiatives (NBIs), essas iniciativas focam em revitalizar áreas que enfrentam múltiplas formas de privação – de falta de oportunidades de emprego a fechamento de serviços básicos e espaços comunitários. 

O modelo se baseia em financiamento flexível de longo prazo: no caso do programa Big Local (a maior iniciativa de regeneração comunitária liderada por moradores do Reino Unido), por exemplo, cada comunidade recebe £1 milhão da loteria nacional para usar ao longo de uma década como achar melhor.

Com base em 15 anos de dados sobre 29 iniciativas desse tipo, o relatório Everybody Needs Good Neighbourhoods 2 demonstra que comunidades que assumem o controle de sua própria transformação conseguem resultados melhores em indicadores como criação de empregos e redução da criminalidade. As histórias a seguir mostram como isso acontece na prática.

Combatendo a pobreza com estratégia local

Em 2012, quando o programa Big Local chegou em Sidley (uma vila localizada no sudeste da Inglaterra), os moradores resolveram perguntar uns aos outros o que eles achavam que a comunidade mais precisava.

As respostas guiaram tudo – desde os 45 pequenos subsídios que financiaram equipamentos para grupos de escoteiros e reformas em escolas primárias até a conquista mais ambiciosa, um campo de futebol com centro comunitário e café, construído com recursos de um programa governamental. O centro não é apenas um espaço de convivência, funciona como motor econômico da comunidade, gerando receita que sustenta outras iniciativas.

Com essa renda, o movimento organizado “Heart of Sidley” conseguiu, por exemplo, trazer para a vila o programa governamental Holiday Activities and Food, que oferece refeições gratuitas durante as férias escolares, atividades recreativas e cuidado infantil para crianças de famílias de baixa renda, resolvendo um problema real: o que fazer com os filhos quando as escolas fecham, mas os pais precisam trabalhar.

Com o passar do tempo, o Heart of Sidley conseguiu se tornar uma organização autossustentável, oferecendo desde aulas de BMX para crianças até microcrédito e orientação financeira para famílias em dificuldade.

Construindo riqueza comunitária

Em Lawrence Weston, um conjunto habitacional do pós-guerra localizado na periferia de Bristol, o problema começava já na hora de sair de casa: sem transporte público adequado, conseguir trabalho no centro da cidade era quase impossível.

Ao longo dos anos, o isolamento geográfico dos quase sete mil habitantes se transformou em isolamento econômico, deixando a área com níveis de privação entre os mais altos do Reino Unido.

Em 2012, após o fechamento de vários serviços locais, os moradores se uniram e criaram a Ambition Lawrence Weston (ALW), uma organização que tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida e de trabalho da comunidade.

Foto: Divulgação Ambition Lawrence Weston

Quando o grupo conseguiu obter £1,15 milhão do programa Big Local para investir ao longo de uma década, a estratégia adotada foi criar oportunidades econômicas que mantivessem a riqueza circulando ali. E o primeiro passo foi resolver justamente o isolamento.

Após testar um serviço comunitário de ônibus, o ALW conseguiu convencer uma empresa pública a restabelecer uma linha regular. Paralelamente, o grupo criou um polo de emprego e empreendedorismo que ajuda moradores a encontrar trabalho, oferece cursos de capacitação e fornece orientação financeira. 

Mas a iniciativa mais ousada nasceu quando o ALW descobriu que 70% dos moradores do Lawrence Weston tinham dificuldades para pagar a conta de luz, e decidiu que a própria comunidade deveria gerar sua energia.

Primeiro, o grupo construiu uma usina solar em parceria com a Bristol Energy Co-operative, capaz de abastecer mil casas por ano. Depois, através da subsidiária Ambition Community Energy, conseguiu licenças para construir o que será a maior turbina eólica terrestre da Inglaterra, com 150 metros de altura. A turbina de 4,2 megawatts deve gerar cerca de £100 mil anuais para reinvestimento na comunidade.

Foto: Divulgação Ambition Community Energy

No total, o ALW estima ter alavancado mais de £15 milhões em recursos e investimentos externos a partir dos £1,15 milhão iniciais do Big Local – um retorno de mais de 13 vezes o investimento original.

Um modelo para o futuro

O relatório Everybody Needs Good Neighbourhoods 2, conduzido por quatro organizações especializadas em desenvolvimento comunitário e análise de dados, acompanhou 29 áreas com iniciativas como essas e as comparou com 29 comunidades similares sem esses programas ao longo de 15 anos.

Os resultados indicam que nas áreas onde os moradores assumiram o controle, o número de negócios cresceu 41% (contra 22% nas áreas de referência), as taxas de criminalidade caíram quase o dobro (19,1 delitos por mil habitantes contra 10,5) e a pobreza infantil, embora tenha aumentado devido a crises nacionais, cresceu significativamente menos (5,5 pontos percentuais contra 8).

Além disso, uma meta-análise de 40 anos de programas de regeneração comprova que iniciativas focadas em áreas pequenas (8 a 10 mil pessoas), que enfatizam construção de capacidade comunitária e têm financiamento de longo prazo, são as mais eficazes para criar mudanças duradouras.

Ou seja, não é preciso esperar grandes reformas nacionais ou orçamentos bilionários para transformar uma comunidade. Às vezes, a mudança mais profunda começa quando vizinhos se sentam juntos, olham ao redor e perguntam uns aos outros: “O que nossa rua realmente precisa?”.

–> O relatório Everybody Needs Good Neighbourhoods 2 está disponível na íntegra, em inglês, aqui.

Leia também: 12 soluções para construir cidades resilientes, vivas e regenerativas


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Redação A Economia B

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