Cobertura internacional

Dez anos após o Acordo de Paris, líderes criticam postura de países ricos e reforçam urgência da implementação

Lideranças da COP21 e da COP30 se reuniram no ChangeNOW para fazer um balanço da década climática e cobrar ação real dos grandes emissores. A palavra de ordem? “Implemente, baby, implemente”

Em 2025, o Acordo de Paris, que nasceu durante a COP21, completa dez anos. Essa foi a primeira vez que os quase 200 países membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) se comprometeram conjuntamente com um tratado climático para limitar o aquecimento global a bem menos de 2 °C, com esforços para mantê-lo em 1,5 °C.  

O primeiro painel do palco principal do ChangeNOW 2025, que aconteceu entre os dias 24 e 26 de abril na capital francesa, debateu avanços e retrocessos desde então. 

O espírito de Paris como inspiração para o futuro

Laurent Fabius, presidente da COP21, abriu a conversa lembrando que o Acordo de Paris só foi possível porque havia um alinhamento entre ciência, sociedade civil e governos, e alertou que, hoje, cada um desses pilares está sob ataque. “Há ataques à ciência, à sociedade civil e ao multilateralismo. Ainda assim, sigo confiante. Devemos ser fiéis ao espírito de Paris: ‘melhor, mais rápido e juntos’”, ressaltou.

Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda, ex-Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos e uma das principais vozes globais em justiça climática, acrescentou que a mobilização por justiça climática também foi fundamental no processo de viabilização do Acordo. Ela destacou o papel da sociedade civil, dos jovens, das comunidades indígenas e de líderes como Tony de Brum, das Ilhas Marshall, como essenciais para o avanço das negociações. 

“O objetivo era inserir 1,5°C no texto – e conseguimos. O relatório do IPCC de 2018 mostrou que há uma diferença enorme entre 1,5°C e 2°C. A crise é real, mas por que os políticos não agem como se estivessem em modo de crise? Temos os recursos. Falta vontade política e realocação de subsídios”, criticou.

Foto Acordo de Paris: ONU/Mark Garten

Christiana Figueres da UNFCCC (à esquerda), Secretário-Geral Ban Ki-moon (segundo à esquerda), Ministro das Relações Exteriores da França Laurent Fabius e Presidente da Conferência da ONU sobre Mudança do Clima em Paris (COP21), e o Presidente François Hollande da França (à direita), celebram a adoção histórica do Acordo de Paris.

Da promessa à implementação: os desafios da próxima década climática

No ano em que o Brasil presidirá a Conferência das Partes, Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima e CEO da COP30, ressaltou que o Acordo de Paris foi um divisor de águas, pois, se antes existiam metas, passamos a ter planos e investimentos. 

Por outro lado, ela destacou que a velocidade das mudanças climáticas foi subestimada. “A ciência previa impactos para 2035, mas eles chegaram em 2025. Precisamos acelerar. Não dá mais para delegar apenas aos governos. Todos – setor privado, pessoas, governos – devem agir juntos. É preciso uma mobilização coletiva, um mutirão”.

“Ao tornar todos igualmente responsáveis por planos climáticos, aliviamos a responsabilidade dos grandes poluidores”

Em um debate sobre o que o mundo precisa fazer para avançar na ação climática, Mary Robinson criticou o formato atual das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que coloca países em desenvolvimento e países desenvolvidos sob o mesmo tipo de obrigação, sem garantir o apoio financeiro necessário à transição climática dos países mais vulneráveis. “Sem dinheiro em forma de doação, não haverá transição justa”, avaliou.

Segundo ela, muitos países em desenvolvimento deixaram claro em suas NDCs apresentadas na COP21 que desejavam adotar fontes de energia renováveis, mas nenhum apoio significativo foi oferecido até a COP26, em Glasgow. “Só ali vimos surgir iniciativas como a parceria para a transição energética justa com a África do Sul – e mesmo essas parcerias ainda oferecem mais empréstimos do que recursos não reembolsáveis. Para substituir o carvão por fontes limpas é preciso dinheiro a fundo perdido, e isso não está chegando como deveria. Não quero parecer negativa, porque houve avanços, sim. Mas precisamos ser honestos”, ponderou.

“Implemente, baby, implemente”

Ainda nesse contexto, Laurent Fabius comentou que saber o que é preciso fazer não é o suficiente. “Sabemos da meta de 1,5°C, sabemos o que são as NDCs, sabemos da necessidade de financiamento climático. Agora é hora de agir e fiscalizar”, apontou. Além disso, inspirou-se em um infame trocadilho de Donald Trump para apontar o caminho: “implemente, baby, implemente”.

Laurent ainda defendeu a criação de uma nova estrutura internacional para monitorar o cumprimento das promessas climáticas. “Precisamos de algum tipo de instituição encarregada de verificar se os governos estão realmente implementando o que prometeram. É isso que vai fazer a diferença”, afirmou.

Leia também:
COP29: meta de financiamento climático aprovada em Baku decepciona

Ana Toni: “Falamos em sair dos combustíveis fósseis, mas a demanda por eles só cresce”

Foto: A Economia B

Para Ana Toni, enfrentar os desafios climáticos da próxima década exige ação imediata e coordenada de toda a sociedade. “As soluções existem. O financiamento também. O que falta é pressão suficiente para que governos, setor privado e cidadãos tomem decisões à altura da emergência”, enfatizou.

Ela também chamou atenção para um ponto frequentemente ignorado: o consumo. “Falamos em sair dos combustíveis fósseis, mas a demanda por eles só cresce. Se não refletirmos seriamente sobre como reduzir o consumo, não alcançaremos as transformações necessárias. Precisamos ampliar nosso olhar e agir com mais profundidade”, concluiu.

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Publicado por
João Guilherme Brotto

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