Saiba como evitar práticas de greenwashing e conheça cuidados importantes para promover uma comunicação ambiental transparente e baseada em dados reais
Em uma caverna nas altas terras de Montana, uma ursa se prepara para uma longa soneca de inverno, sem saber que lá embaixo, pessoas com motores e máquinas irão explorar petróleo durante o inverno rigoroso.
Mas antes que ela acorde, as pessoas terão ido embora, e a terra explorada será replantada para que logo pareça como se ninguém jamais tivesse estado ali. As pessoas às vezes trabalham durante o inverno para que a natureza possa ter a primavera só para ela.
Essa narrativa “poética” faz parte de uma série de comerciais da Chevron da década de 90. Na época, a campanha foi considerada um case de sucesso – inclusive ganhou vários prêmios por sua mensagem humanitária e o foco nas pessoas, em vez de falar da empresa ou seus produtos.
Hoje, porém, temos clareza do que realmente é: greenwashing.
Entendendo o greenwashing
Greenwashing é o ato de fazer declarações falsas, enganosas ou exageradas sobre os benefícios ambientais de um produto, serviço ou processo. Ou seja, é quando uma marca finge ser mais sustentável do que realmente é.
O termo greenwashing foi criado de uma forma inusitada pelo ambientalista Jay Westerveld, em 1986.
Ele percebeu que o hotel onde estava hospedado incentivava os hóspedes a reutilizar toalhas, alegando que essa prática era uma ação ambiental.
No entanto, Westerveld notou que não existiam outras medidas sustentáveis significativas e que o principal objetivo era reduzir custos operacionais, não necessariamente proteger o meio ambiente. Soa familiar?
Algumas décadas depois, muita coisa mudou em termos de posicionamento das empresas em relação às suas estratégias sustentáveis, mas o greenwashing parece mais forte do que nunca.
A Chevron, por exemplo, não parou de produzir comerciais poéticos. A empresa, que é a segunda maior poluidora do planeta, continua fazendo alegações enganosas sobre seus esforços para proteger o meio ambiente.
Mas ela não está sozinha.
Uma análise da RepRisk, empresa especializada em pesquisa e análise de riscos ESG, indica que houve um aumento consistente nos casos de greenwashing nos últimos 10 anos, em frequência e intensidade.
O contexto social em torno do greenwashing
Diversos movimentos sociais e econômicos vêm influenciando a incidência de greenwashing nos últimos anos. Uma das questões centrais é o aumento da pressão pública para que o poder privado assuma sua responsabilidade em relação a seus impactos socioambientais.
A verdade é que as pessoas estão mais conscientes em relação às consequências da crise climática. Uma análise da consultoria PwC indica que 85% dos consumidores sentem os efeitos das mudanças climáticas no seu dia a dia, e 46% estão comprando mais produtos sustentáveis para reduzir seu impacto ambiental.
Greenwashing: um atalho equivocado
Diante da pressão para que comuniquem com mais clareza exatamente de que forma estão agindo para combater a crise climática, muitas empresas acabam percebendo que, na verdade, não têm muito a comunicar.
Nessa hora, as marcas têm uma escolha a fazer:
- Seguir o caminho da transformação: Criar estratégias e implementar mudanças dentro das operações da empresa e em seu mercado que efetivamente gerem impacto ambiental positivo.
- Ou pegar o atalho: Inventar, maquiar ou exagerar informações sobre ações sustentáveis só para “não ficar de fora” e atender a demanda por mais esclarecimentos.
O caminho das transformações é a direção correta, mas também é a jornada mais difícil. Por isso, muitas organizações optam pelo atalho do greenwashing.
Ou seja, para atender rapidamente à pressão, empresas emitem declarações ou adotam ações superficiais que aparentam sustentabilidade, mas que, na realidade, não trazem benefícios significativos ao meio ambiente.
Outra questão relacionada a isso que contribuiu para o aumento do greenwashing é a complexidade e a falta de padronização das métricas de sustentabilidade.
Ainda que estejam surgindo novas legislações que obrigam as empresas a serem mais transparentes, a falta de padrões unificados globalmente abre espaço para interpretações diferentes do que constitui uma prática “sustentável”.
Isso cria brechas para que as organizações apresentem dados incompletos ou imprecisos, enganando os stakeholders sobre o real impacto de suas atividades.
Diferentes tons de greenwashing
Sim, a pressão dos stakeholders e a complexidade das regulamentações são desafios que as empresas precisam enfrentar no contexto atual. Contudo, isso não deve ser uma justificativa para comunicar algo de forma incompleta ou desonesta.
Independentemente da pressão do mercado, as marcas devem sempre priorizar a comunicação transparente e genuína, baseada em ações efetivas e impactos reais, sustentados por dados concretos.
Mas como fazer isso?
Para começar, é importante esclarecer que a “lavagem verde” tem várias tonalidades. A consultoria BSR usa uma matriz que categoriza a comunicação sustentável em dois eixos principais: impacto ambiental real e eficácia da comunicação.
Os quadrantes da matriz são divididos da seguinte forma:
Com base nessa ferramenta, é possível dizer que as alegações de sustentabilidade de uma marca podem se encaixar nas seguintes categorias:
Comunicações ambientais eficazes
As empresas que se encontram aqui realmente melhoram o desempenho ambiental de seus produtos e processos e conseguem comunicar essas melhorias de maneira clara e transparente. Elas são vistas como líderes, tanto pelos consumidores quanto por outras organizações.
Comunicação sem fundamento
Empresas neste quadrante podem até fornecer dados sobre suas iniciativas sustentáveis, mas uma análise mais profunda revela que fazem (bem) menos do que afirmam. O risco é alto, pois o público e os stakeholders eventualmente perceberão a inconsistência.
Comunicação equivocada
Nesse caso, as empresas realmente implementam práticas ambientais positivas, mas falham na comunicação. Suas mensagens podem ser confusas, exageradas ou mal focadas, o que resulta em desconfiança do público. Essas empresas precisam ajustar sua comunicação para refletir melhor seus esforços reais.
Ruído de greenwashing
Empresas neste quadrante fazem afirmações genéricas de que são “verdes” ou “ecológicas”, mas sem um impacto real significativo. Suas comunicações são vagas ou não fornecem provas suficientes para sustentar suas alegações. Elas têm muito trabalho pela frente, tanto para melhorar suas práticas ambientais quanto para se comunicar de forma mais eficaz.
Outra maneira de entender as diferentes formas de greenwashing é a categorização da The Climate Social Science Network (CSSN), que separa tais alegações em três tipos:
- Omissão de fatos importantes – quando informações relevantes são ocultadas;
- Distorção de fatos – quando alegações ambientais são manipuladas, infundadas ou exageradas;
- Negação – quando a ciência climática comprovada é simplesmente rejeitada.
Fonte: The Climate Social Science Network (CSSN)
Impacto, alinhamento e comunicação: framework para evitar greenwashing
Para realizar comunicações ambientais eficazes, a BSR indica que as informações divulgadas pela empresa devem levar em conta três pilares:
1) Impacto
As iniciativas comunicadas devem se basear em resultados concretos e significativos. Se a iniciativa é apenas uma pequena parte das atividades da empresa ou feita apenas para melhorar a reputação, ela provavelmente será vista como greenwashing.
2) Alinhamento
Uma iniciativa com impacto significativo precisa estar em sintonia com diversas áreas da empresa, como estratégia, compras, design, relações governamentais e marketing. Se uma organização promove um produto como sustentável, mas outros de seus produtos ou processos contradizem isso, a mensagem será considerada greenwashing.
3) Comunicação
A comunicação deve ser clara, honesta e acessível ao público. Mensagens exageradas ou autoelogios podem ser percebidos como enganosos. E ainda, sempre que possível, as empresas devem fornecer dados que comprovem as alegações feitas. Isso ajuda a construir confiança e a evitar que a comunicação seja vista como enganosa.
Checklist para comunicação climática eficaz
Com base nessas três áreas, a lista de perguntas abaixo pode ajudar a avaliar se as práticas e comunicações ambientais da empresa podem ser percebidas como greenwashing.
🎯 Impacto
- Sua mensagem trata de uma realização ambiental importante?
- A iniciativa mencionada realmente gera impacto significativo no meio ambiente?
- O tema abordado é relevante para o seu negócio?
- A iniciativa está alinhada às atividades principais da empresa e às expectativas dos stakeholders?
- Foram investidos recursos consideráveis (tempo, dinheiro e equipe)?
- Você destinou mais recursos para a iniciativa do que para a divulgação dela?
- Os resultados que você está anunciando já foram alcançados?
♟️ Alinhamento
- A iniciativa contou com a participação de diversos departamentos (estratégia, compras, design, sustentabilidade etc.)?
- Quais outras ações da empresa estão em sintonia com essa mensagem?
- Os stakeholders foram consultados e seu feedback foi incorporado?
- Stakeholders externos ofereceram orientação para melhorar o impacto e a comunicação da iniciativa?
- Sua reivindicação pode ser respaldada por uma entidade independente e confiável?
- Uma terceira parte confiável pode validar a sua mensagem?
📣 Comunicação
- Sua reivindicação e sua importância são facilmente compreendidas?
- A mensagem é clara e acessível ao público?
- Sua empresa é vista como confiável? Se a empresa tem uma reputação negativa, suas mensagens podem ser recebidas com desconfiança.
- Você possui dados que comprovam a sua reivindicação? Apresentar resultados mensuráveis ajuda a evitar questionamentos sobre a veracidade da comunicação.
- Você está transmitindo uma visão completa da situação?
- A comunicação aborda apenas um aspecto ou considera o ciclo de vida completo do produto?
- A mensagem é honesta e sem exageros? Um tom realista e modesto é essencial para evitar que a empresa pareça estar se autopromovendo.
E ainda, o Institute for Advertising Ethics recomenda que, para garantir a integridade e transparência das alegações ambientais, é importante:
1) Certificar-se com cuidado
Utilize apenas selos e certificações verificadas de forma independente. Opte por certificações que tenham padrões rigorosos e transparentes, com processos claros para reclamações e objeções.
2) Usar uma linguagem clara e simples
Evite jargões complexos ao comunicar suas ações e alegações ambientais. Certifique-se de que sua comunicação seja acessível e compreensível para todos os públicos.
3) Fornecer evidências concretas
Sempre apoie suas alegações ambientais em evidências sólidas, independentes e facilmente acessíveis para o público. Isso ajudará a manter a credibilidade das suas afirmações.
4) Divulgar todas as informações relevantes
Ofereça uma visão completa dos impactos ambientais e sociais de suas operações, incluindo possíveis efeitos negativos. A transparência é fundamental para manter a confiança dos consumidores.
Sinais de alerta que indicam que as empresas podem estar envolvidas em greenwashing ao invés de buscar uma verdadeira sustentabilidade:
- Priorização de compensação de carbono para alegar neutralidade climática, ao invés de buscar reduzir suas emissões diretamente.
- Estabelecimento de metas de redução de intensidade (emissões por unidade de produção), não metas absolutas.
- Foco apenas nas emissões de Escopo 1 e 2 e ignorar o Escopo 3, onde geralmente estão os maiores impactos climáticos, como nas cadeias de suprimentos.
- Investimento em fontes alternativas de energia ainda poluentes – como biocombustíveis baseados em cultivos ou hidrogênio de base fóssil, que ainda aumentam as emissões de gases de efeito estufa (GEE).
- Inovação focada em produtos recicláveis ou biodegradáveis como solução mágica – a realidade é que a maioria dos produtos não pode ser reciclada em escala e os produtos biodegradáveis, se não processados adequadamente, podem ser igualmente prejudiciais ao meio ambiente.
- Falta de transparência ou omissão de informações importantes, especialmente sobre o uso de combustíveis fósseis.
Informações: The Anti-greenwash Guide for Agencies – Creatives for Climate
Mais transparência, honestidade e dados e menos e storytelling
A visão de especialistas em comunicação sobre como evitar o greenwashing e suas dicas práticas.
Priorize a transparência e honestidade
Cinthia Gherardi, codiretora executiva do Sistema B Brasil, conversou com A Economia B sobre greenwashing, branding, diferenciação e cancelamento na era ESG.
Na entrevista, ela afirma que, para evitar cair na comunicação enganosa ou superficial sobre os esforços de sustentabilidade, as empresas devem fazer uma avaliação honesta de onde estão em termos de impacto ambiental e social.
Nesse sentido, ela recomenda o uso de ferramentas como a B Impact Assessment para identificar pontos fortes e áreas de melhoria.
“A transparência é muito importante nesse processo. É fundamental identificar onde a empresa está indo bem e onde não está, para que possa falar com clareza sobre o que de fato faz. Se, por exemplo, você planejou reduzir em 30% a geração de resíduos e conseguiu reduzir em 15%, explica para o seu consumidor… Muitas vezes a explicação do porquê você não conseguiu mostra o engajamento que você tem”, aconselha.
🎥 Assista à entrevista completa: Greenwashing, branding, diferenciação e cancelamento na era ESG
Menos storytelling e mais informações de impacto
Em uma conversa sobre o futuro da comunicação corporativa, Danilo Maeda, Diretor de ESG do Grupo FSB, alerta que o público está cada vez mais atento e crítico em relação à coerência entre o discurso e as ações das organizações.
Nesse contexto, ele aponta que o grande desafio das empresas é equilibrar a necessidade de comunicação ambiental com transparência e efetividade das informações.
“Vemos o tempo todo isso acontecendo, deslizes e tentativas meio exageradas de comunicar o que não é tão verdadeiro assim. Sempre nos colocamos como contadores de histórias e hoje esse é outro desafio… Além de sermos contadores de histórias, também precisamos ser curadores da verdade. Temos que entender as organizações onde trabalhamos e analisar se essas histórias que estão sendo produzidas são realmente consistentes, boas para serem contadas”, ressalta.
🎥 Assista à entrevista completa: Transparente, consistente e consciente: o presente e o futuro da comunicação corporativa
Maior foco em dados concretos
Durante o evento ESG Summit Europe, em Madrid, entrevistamos a executiva de sustentabilidade e ESG Onara Lima sobre o panorama atual da comunicação climática, especificamente sobre a efetividade dos relatórios de sustentabilidade.
Onara criticou relatórios de sustentabilidade que apresentam narrativas exageradas e dados superficiais, sem realmente abordar as questões mais críticas, como as emissões de escopo 3. Ela defende que as empresas devem focar no que é relevante e garantir que os dados reflitam ações concretas e não apenas metas ou declarações genéricas.
“As empresas precisam evitar esse discurso descolado da realidade. Às vezes, estão fazendo algo bom, mas queimam a credibilidade ao comunicar de forma exagerada. Não adianta só ter relatórios lindos que, por sinal, custam muito caro. São os dados que vão trazer a credibilidade necessária a uma tomada de decisão com embasamento”, alerta.
🎥 Assista à entrevista completa: Relatórios de sustentabilidade: o que e como comunicar?
Sua organização precisa de ajuda?
Desde 2020, nós “traduzimos” o contexto de emergência climática para organizações e profissionais a partir de histórias propositivas. Além da atuação jornalística, oferecemos soluções em comunicação e educação corporativa para organizações engajadas em temas de sustentabilidade, ESG, impacto e regeneração. Quer saber como podemos trabalhar juntos? Preencha o formulário abaixo.
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