Habitação acessível, infraestrutura verde, circularidade e dados inteligentes: conheça 12 soluções para cidades que podem transformar realidades locais diante da emergência climática
No ano passado, as enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul mostraram, de forma trágica, que as cidades precisam urgentemente se preparar para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. A catástrofe regional escancarou que, quando falta estrutura para conter os impactos de eventos extremos, não há medidas de adaptação planejadas e a resposta pública é insuficiente, vidas são colocadas em risco e comunidades são destruídas.
De acordo com a ONU, atualmente, 55% da população mundial vive em áreas urbanas – número que deve crescer para quase 70% até 2050. Além disso, apesar de as cidades ocuparem menos de 4% da superfície terrestre, são responsáveis por 60% das emissões globais de gases de efeito estufa e por 78% do consumo de energia.
Nesse contexto, e com a emergência climática causando mais impactos frequentes e extremos, questões como mobilidade sustentável, habitação acessível, eficiência energética e regeneração urbana deixaram de ser preocupações para o futuro e se tornaram demandas urgentes.
Durante o ChangeNOW 2025, realizado em Paris no fim de abril, conhecemos diversas soluções que mostraram que é possível enfrentar esses desafios com tecnologia, planejamento e inclusão.
A seguir, listamos algumas das que mais chamaram nossa atenção e que oferecem caminhos para governos e empresas enfrentarem os desafios urbanos contemporâneos. São exemplos que mostram como é possível aliar inovação, sustentabilidade e impacto social para construir cidades mais preparadas e resilientes.
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Essa pergunta guia o trabalho da Association la Voûte Nubienne, que adaptou uma técnica ancestral egípcia para construir casas com abóbadas feitas de tijolos de terra crua, moldados à mão e secos ao sol.
O método dispensa o uso de madeira, cimento e formas temporárias, tornando a construção mais acessível, durável e naturalmente climatizada – ideal para o clima quente e seco do Sahel africano, região que abrange países como Burkina Faso, Mali e Senegal.
Desde 2000, mais de 10 mil edifícios foram erguidos pela Association la Voûte Nubienne em seis países africanos, beneficiando diretamente 17 mil pessoas e evitando a emissão de mais de 180 mil toneladas de CO₂ equivalente.
A Äerd Lab é um estúdio de inovação que transforma resíduos da construção civil – especialmente a terra retirada de escavações – em tijolos e elementos decorativos de argila impressos em 3D.
Em vez de queimar os tijolos em fornos industriais, como ocorre na produção convencional, a startup adota um processo de secagem natural ao ar livre, que economiza energia e evita a liberação de grandes volumes de CO₂. Essa abordagem reduz em até 70% as emissões e economiza cerca de 500 kWh de energia por tonelada produzida.
As estruturas criadas são respiráveis, regulam a umidade, absorvem poluentes e melhoram a qualidade do ar interno. Também oferecem bom desempenho acústico e podem ser personalizadas com precisão, graças à impressão 3D.
A Urban Forests transforma espaços urbanos em microflorestas e jardins ecológicos, revitalizando áreas degradadas com mais biodiversidade e menor necessidade de manutenção.
A técnica usada é baseada no método japonês Miyawaki, que consiste em plantar espécies nativas muito próximas umas das outras para simular a densidade de uma floresta natural. Isso acelera o crescimento das árvores, estimula a biodiversidade e cria, em poucos anos, ecossistemas autossuficientes mesmo em pequenos terrenos urbanos.
Pioneira na aplicação desse método na Europa, a organização foi criada em 2016 e desde então já criou 131 microflorestas e jardins em três países (Bélgica, França e Alemanha), restaurou mais de 63 mil m² e plantou 185.857 árvores.
As microflorestas trazem benefícios como regulação da temperatura, aumento da infiltração da água no solo, melhoria da qualidade do ar e atração de polinizadores.
O impacto ambiental é potencializado pelo envolvimento comunitário: cerca de 13.869 voluntários já participaram dos eventos de plantio, que promovem conexão com a natureza e senso de pertencimento.
Scalable Cities é uma iniciativa da Comissão Europeia que reúne 142 cidades de 28 países para testar, aplicar e multiplicar soluções inteligentes rumo à neutralidade climática. O programa apoia a criação de bairros sustentáveis por meio da colaboração entre governos locais, universidades, empresas e organizações sociais.
Desde 2016, a iniciativa implementou mais de 550 soluções tecnológicas e sociais nas áreas de mobilidade, energia, dados urbanos, participação cidadã e governança. Entre os resultados, estão:
Além dos avanços técnicos, mais de 260 mil cidadãos já participaram ativamente das transformações, e os projetos relatam economias de energia superiores a 53% e redução de até 88% nas emissões de CO₂.
Para apoiar e replicar essas soluções em outras cidades, a iniciativa oferece formações para equipes públicas, conexões entre especialistas, programas de aprendizagem entre pares e financiamento de até €50 mil por projeto. Tudo isso é coordenado por um secretariado central que articula o conhecimento gerado, promove a colaboração entre cidades e orienta ações estratégicas em toda a Europa.
A Latitudo 40 combina inteligência artificial com imagens de satélite para transformar dados geoespaciais em insights estratégicos para cidades. Suas soluções auxiliam o planejamento urbano, o monitoramento de infraestrutura e a resiliência ambiental, oferecendo uma visão precisa, atualizada e acessível do território.
A plataforma permite mapear riscos climáticos, monitorar o uso do solo, avaliar a saúde da vegetação e priorizar ações de planejamento com base em dados concretos.
Com essas informações, cidades conseguem, por exemplo, planejar melhor onde plantar árvores, instalar telhados verdes ou melhorar sistemas de drenagem. Isso pode levar à redução de ilhas de calor, à proteção de áreas vulneráveis contra inundações e à diminuição da pegada de carbono.
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Mais de 1 bilhão de toneladas de solo são perdidas todos os anos por erosão na Europa – e 25% da biodiversidade terrestre depende da saúde do solo. É nesse cenário que atua a Terasol, empresa suíça que desenvolve soluções para tornar cidades e canteiros de obras mais verdes, resilientes e bem planejados.
Sua principal ferramenta é a ExoMap, uma plataforma que cruza inteligência artificial com dados climáticos e geográficos para indicar onde e como investir em vegetação urbana. O objetivo é recuperar o solo degradado, melhorar a infraestrutura verde e garantir retorno ambiental e econômico. De acordo com a empresa, usar a ExoMap pode ajudar a recuperar até 50% do investimento em áreas verdes por meio de decisões mais eficazes.
A Terasol também oferece apoio técnico para reaproveitamento de materiais escavados e monitoramento da qualidade do solo em obras urbanas. Seus serviços são utilizados por governos locais, escritórios técnicos e empresas que desejam incorporar soluções baseadas na natureza à paisagem urbana.
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Na França, mais de 12 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza energética – ou seja, não conseguem manter suas casas devidamente aquecidas ou refrigeradas. Para enfrentar esse desafio, a startup Vasco criou um modelo de financiamento que facilita reformas de eficiência energética, mesmo para quem não tem acesso a crédito tradicional.
A empresa cobre 100% dos custos da renovação por meio de pagamentos mensais acessíveis, sem restrições de idade ou renda, com base no valor que o imóvel passa a ter após a reforma. Ao melhorar o desempenho energético da residência, o morador economiza na conta de luz, ganha conforto térmico e ainda valoriza o próprio patrimônio.
Segundo a Vasco, as reformas financiadas podem gerar economia de até 80% na fatura de energia e reduzir de 5 a 10 vezes as emissões de carbono por residência.
Na construção civil, centenas de toneladas de concreto vão parar no lixo após cada demolição. A startup austríaca Parastruct desenvolveu uma tecnologia que transforma esses resíduos em novos materiais de alto desempenho, reduzindo o uso de cimento virgem e as emissões de carbono.
O processo, que reaproveita o cimento residual presente nos entulhos, já evita a emissão de 250 mil toneladas de CO₂ por ano e economiza cerca de 350 mil toneladas de matérias-primas extraídas da natureza. A empresa oferece um sistema completo, que vai da análise dos resíduos à sua revalorização em componentes prontos para uso em novas construções.
Além de reduzir o impacto ambiental, a solução promete economia de até 90% nos recursos utilizados e uma pegada de carbono até 80% menor em relação aos materiais convencionais.
A Démét’Air transforma telhados e muros em ecossistemas vivos.
O diferencial está no substrato de origem vegetal (que é leve, 100% compostável e com alta capacidade de retenção de carbono) e no uso de sensores que monitoram em tempo real o desempenho ambiental das áreas vegetadas. Com isso, é possível otimizar a irrigação, acompanhar a saúde das plantas e garantir a eficácia das soluções ao longo do tempo.
Além de reduzir o consumo de energia, os sistemas dessa startup francesa ajudam a captar água da chuva e a transformar superfícies impermeáveis em espaços que “respiram, acolhem vida e aumentam o conforto térmico em áreas urbanas”.
Coletar, armazenar e redistribuir água da chuva de forma eficiente. Essa é a proposta do Jardin de Pluie Urbain®, um sistema modular desenvolvido pela Source Urbaine capaz de irrigar áreas verdes por até três meses, mesmo durante o verão. A solução pode ser instalada no solo, semi-enterrada ou de forma subterrânea, adaptando-se a diferentes tipos de espaços urbanos.
Além de garantir o abastecimento de água para plantas e árvores, o sistema contribui para a regulação da temperatura local, reduz custos com irrigação e mão de obra, e pode ser monitorado remotamente por sensores.
Com capacidade de economizar até 100 m³ de água por ano em apenas 20 m² de instalação, o Jardin de Pluie Urbain® também atende às exigências regulatórias de gestão sustentável das águas pluviais, ao reter, infiltrar e reutilizar a água da chuva no próprio local. Por ser uma solução modular e adaptável, pode ser integrada a estruturas verdes já existentes e contribuir para evitar sobrecarga nos sistemas públicos de drenagem.
O Bouygues Group aposta em alternativas de baixo custo e alto impacto para adaptar cidades às mudanças climáticas, restaurar ecossistemas urbanos e promover a circularidade na construção civil.
Entre as soluções adotadas está o asfalto VEGECOI, feito com aglomerantes vegetais em vez de derivados de petróleo, o que garante uma redução de até 70% nas emissões de CO₂. A empresa também atua na renovação e requalificação de edifícios existentes, evitando demolições desnecessárias e o uso de novos materiais, como forma de reduzir o desperdício de recursos e prolongar o ciclo de vida das construções.
Desde 2014, estratégias como essas vêm sendo implementadas em bairros vulneráveis de Paris, especialmente em áreas sujeitas a ondas de calor, enchentes e escassez hídrica. Os projetos incluem a introdução de infraestrutura verde, como jardins e telhados vegetados, materiais de baixa emissão e soluções que integram a natureza ao espaço urbano construído. Até agora, 53 projetos foram certificados com o selo BiodiverCity, que reconhece empreendimentos que valorizam a biodiversidade no ambiente urbano.
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A urbanização não precisa excluir a agricultura, ela pode integrá-la. Essa, inclusive, é a proposta da Small Farm Cities Africa, uma startup de impacto social que está desenvolvendo comunidades planejadas em Malawi para gerar empregos, habitação acessível e inclusão econômica.
O modelo combina agricultura de alta eficiência (com uso de estufas irrigadas por gotejamento, cultivo em campo aberto, avicultura e aquicultura) com moradias acessíveis e infraestrutura básica. Tudo isso é integrado a um plano urbano que inclui tecnologia, educação, lazer e microinfraestruturas municipais.
Em vez de esperar grandes investimentos externos para criar cidades do zero, a Small Farm Cities constrói protótipos viáveis com terrenos legalizados, gestão profissional e foco em resultados concretos. Hoje, já atua em três áreas de desenvolvimento em Lilongwe, capital do Malawi.
As comunidades são pensadas para pessoas na base da pirâmide econômica. Os moradores podem ter a oportunidade de trabalhar em atividades agrícolas e, com a renda gerada, financiar a aquisição da casa própria por meio de um sistema de hipoteca acessível. Além da habitação, os moradores têm acesso a serviços básicos e oportunidades de capacitação e empreendedorismo.
A Small Farm Cities afirma produzir até 12 vezes mais tomates por hectare do que o cultivo convencional em campo aberto no Malawi, e já comercializou mais de 100 toneladas de alimentos. Com esse modelo, está criando um caminho escalável para mobilidade econômica, acesso à terra e propriedade, e desenvolvimento urbano sustentável em contextos de rápida expansão populacional na África.
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