Histórias B

Como líderes locais ajudam a reduzir o abismo entre consciência e ação climática

A história da ativista nigeriana Patience Ukange mostra como capacitar líderes locais pode ser a chave para avançar além da consciência climática

Segundo a Universidade de Bath, 86% dos jovens entre 16 e 25 anos consideram as mudanças climáticas uma questão urgente. Apesar disso, apenas 15% deles se sentem capacitados para agir de forma efetiva. 

Esse abismo entre consciência e ação define um dos maiores paradoxos do nosso tempo: nunca houve tanta preocupação climática, mas também nunca foi tão difícil transformar essa preocupação em mudança real.

O contraste se acentua quando olhamos para regiões que enfrentam os impactos climáticos mais severos. Na Nigéria, por exemplo, cerca de 3,5 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas devido a conflitos armados, violência ou desastres climáticos e hoje vivem como deslocados internos, muitas vezes em condições precárias e sem acesso a direitos básicos.

Ao mesmo tempo, as mulheres – que representam cerca de 43% da força de trabalho agrícola nos países em desenvolvimento, chegando a quase 50% na África Subsaariana – dependem diretamente da terra e dos recursos naturais para sustentar suas famílias, mas detêm menos de 20% dos direitos sobre a terra. Isso as torna ainda mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, já que têm menos acesso a meios de adaptação e menor poder de decisão sobre os territórios que cultivam.

Essa sobreposição de crises humanitária, climática e de gênero ilustra como a vulnerabilidade climática e a exclusão estrutural se reforçam mutuamente.

Patience Shimadoo Ukange conhece essa realidade de perto.

Durante cinco anos, ela desenvolveu programas de capacitação em campos de refugiados na Nigéria, trabalhando como voluntária em organizações como o Young African Leaders Initiative (YALI) Network Abuja. Em pouco tempo, porém, o que começou como trabalho voluntário local se transformou em algo maior…

Hoje, aos 26 anos, Patience dirige a The Confident Woman Africa Initiative, organização que já atuou na Nigéria, Lesoto, África do Sul, Quênia e Gana e transformou mais de três mil vidas nesses países, sempre focando na interseção entre empoderamento feminino e ação climática.

Conheci Patience por uma conexão feita por meio da United Success Global, rede de mulheres empreendedoras e líderes empresariais para a qual desenvolvemos um trabalho de gestão de comunidade. A história dela me chamou a atenção por mostrar, de forma concreta, o que significa transformar preocupação em ação. Por isso, decidi contá-la aqui… 

A formação que fez a diferença

Depois de anos atuando na linha de frente, consolidando sua visão sobre a importância de empoderar mulheres como resposta à crise climática, Patience sentiu que precisava fortalecer suas habilidades e conexões para ampliar o impacto do seu trabalho. Foi nessa busca que ela conheceu a United People Global (UPG), organização suíça que desenvolve metodologias de capacitação em sustentabilidade.

Baseada em Genebra, a UPG já formou mais de 86 mil pessoas, em 149 países. A organização estrutura seus programas em quatro pilares que tentam resolver exatamente o gap consciência-ação. São eles:

  • Conscientização baseada em dados: os participantes aprendem a interpretar informações climáticas e socioeconômicas para identificar oportunidades específicas de intervenção.
  • Fortalecimento da autoeficácia: por meio de mentoria e casos de sucesso, o programa trabalha a confiança dos participantes em sua capacidade real de gerar impacto.
  • Facilitação de colaboração: a UPG conecta líderes de diferentes países que enfrentam desafios similares, criando redes de aprendizado mútuo.
  • Suporte à implementação: diferentemente de programas que terminam na capacitação, a UPG oferece apoio contínuo durante as fases de implementação de projetos.

Patience participou do principal programa da UPG, que já formou mais de 2.700 líderes em sustentabilidade e opera a partir da premissa que a mudança sistêmica pode emergir da capacitação de líderes locais equipados com ferramentas globais.

Da capacitação à implementação

Após concluir o programa de desenvolvimento da UPG, Patience aplicou os princípios aprendidos à realidade que conhecia: campos de refugiados onde mulheres enfrentavam múltiplas vulnerabilidades.

O modelo que ela desenvolveu ensina as mulheres a produzir produtos sustentáveis utilizando recursos disponíveis localmente e conecta capacitação técnica com geração de renda, fortalecendo a autonomia feminina e criando oportunidades reais.

“Acredito que criar sinergias entre empoderamento feminino e ação climática é fundamental, pois o desenvolvimento sustentável é possível quando investimos no potencial das mulheres jovens”, explica. 

O trabalho de Patience ilustra como a metodologia da UPG funciona na prática: ao invés de implementar projetos diretamente, a organização aposta na formação de pessoas capazes de criar soluções adaptadas ao seu contexto. Isso é especialmente relevante porque endereça um desafio que muitas organizações enfrentam: dados do International Institute for Environment and Development mostram que menos de 10% dos fundos climáticos globais chegam ao nível local.

Além disso, o trabalho da ativista se beneficia de mudanças no contexto nigeriano. O país implementou a Lei de Mudanças Climáticas em 2021 e estabeleceu o Plano de Transição Energética com meta de neutralidade até 2060. Paralelamente, o projeto Nigeria for Women, segundo o World Bank, alcançou mais de 1 milhão de pessoas através de 22.094 grupos de afinidade feminina.

Essas iniciativas ajudam a criar um ambiente mais favorável para ações que conectam políticas nacionais com implementação local por meio de metodologias testadas globalmente.

Lições e caminhos para o futuro

A trajetória de Patience oferece pistas sobre como o futuro da ação climática pode se desenhar. Sua experiência mostra que a mudança sistêmica talvez aconteça menos por meio de grandes programas governamentais e mais por indivíduos capacitados que transformam ferramentas globais em soluções localmente relevantes.

Para quem trabalha com desenvolvimento, essa história ilustra o potencial de modelos que priorizam capacitação sobre implementação direta. Para jovens em formação, demonstra como programas estruturados podem potencializar a experiência local existente. E para formuladores de políticas públicas, revela a importância de criar ambientes favoráveis para que iniciativas locais prosperem.

Por fim, também ensina sobre a importância de combinar diferentes tipos de apoio. Formação técnica, reconhecimento internacional e contexto político favorável se reforçam mutuamente. Nenhum elemento sozinho seria suficiente; a combinação cria condições para impacto sustentável.

Patience planeja expandir seu modelo para outros contextos de vulnerabilidade climática na África, sempre mantendo foco na interseção entre empoderamento feminino e sustentabilidade ambiental. Seu próximo desafio será manter a efetividade local enquanto escala geograficamente.

O sucesso ou fracasso dessa aposta pode definir como enfrentamos a década que os cientistas consideram decisiva para o clima. Em um mundo onde a distância entre consciência e ação parece cada vez maior, histórias como a de Patience sugerem que o caminho talvez não seja convencer mais pessoas a se preocupar, mas sim capacitar aquelas que já se preocupam a agir de forma efetiva.

Leia também:
Educação climática salva vidas em comunidade pernambucana

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Publicado por
Natasha Schiebel

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