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Como Marselha está construindo resiliência climática reimaginando espaços públicos

Marselha aposta em espaços públicos frescos e verdes para enfrentar o calor
Foto: © Ville de Marseille

Ameaçada por noites tropicais e calor extremo, Marselha investe 360 milhões de euros em soluções que combinam infraestrutura verde, mobilidade sustentável e participação popular

Marselha está se reinventando para enfrentar o calor. A cidade mediterrânea, que há décadas sente os efeitos das mudanças climáticas com verões mais longos e noites tropicais cada vez mais frequentes, decidiu transformar ruas, praças e parques em refúgios climáticos.

Com investimentos de 360 milhões de euros destinados ao programa Marseille Ville Nature, a transformação é ambiciosa e de longo prazo. O foco vai desde o aumento das copas arbóreas até a criação de novos parques e corredores verdes, além da requalificação de áreas costeiras e históricas.

De áreas sombreadas e rotas ventiladas a novas formas de governança e participação cidadã, Marselha está construindo uma cidade mais fresca, verde e justa…

Um manifesto para transformar a cidade

No centro dessa transformação está o Manifeste des Espaces Publics Marseillais (Manifesto pelos Espaços Públicos de Marselha), publicado em março deste ano.

O documento não é apenas um conjunto de diretrizes técnicas, é uma declaração de princípios sobre como a cidade quer viver. Ele defende que cada intervenção urbana deve ser pensada de forma integrada, conciliando convivência, mobilidade e conforto térmico. Além disso, a população precisa participar das decisões sobre o desenho urbano.

A ideia é que praças, ruas e jardins funcionem como refúgios climáticos – lugares acolhedores, acessíveis e preparados para suportar temperaturas extremas. Para isso, não basta plantar árvores ou instalar fontes, é preciso repensar como a cidade inteira respira, se movimenta e se relaciona com o clima.

Itinerários frescos para dias de calor

Uma das iniciativas que fazem parte desse movimento é o projeto Cool Noons, que está criando “itinerários frescos” pela cidade. 

São percursos planejados com a população que conectam áreas sombreadas, fontes e jardins, formando uma rede de alívio térmico. A lógica é simples: em dias de muito calor, você pode atravessar bairros inteiros sem se expor ao sol escaldante, circulando por caminhos ventilados e arborizados.

Desde 2022, Marselha disponibiliza um mapa interativo que indica pontos naturalmente mais frios – parques, chafarizes, brinquedos aquáticos – que se tornam abrigo durante as ondas de calor. Dá para dizer que essa é uma estratégia de sobrevivência urbana, uma vez que saber onde se refrescar pode fazer toda a diferença, especialmente para idosos, crianças e pessoas em situação de vulnerabilidade.

Cool Noons – Itinerários frescos para dias de calor

Verde por todos os lados

O Plano das Árvores de Marselha também merece destaque. Ele inclui o plantio de mais de 300 mil mudas, sendo 8 mil árvores adultas, que estão sendo plantadas em escolas, creches, centros culturais e esportivos.

Verde por todos os lados
Foto © Sophie Guillermain – Ville de Marseille

As árvores criam microclimas, oferecem sombra, liberam umidade e filtram o ar. Em dias de onda de calor, a diferença de temperatura entre uma rua arborizada e outra sem vegetação pode chegar a 5°C ou mais.

Mas não basta plantar, é preciso criar condições para que a água da chuva seja absorvida pelo solo. 

Nesse sentido, o projeto COPR’EAU DE PLUIE está ajudando condomínios a “desimpermeabilizar” áreas pavimentadas, substituindo asfalto por jardins e canteiros que captam e infiltram a água. É a chamada infraestrutura verde e azul, que além de resfriar, reduz enchentes e melhora a qualidade do ar.

Resgatando a sabedoria do centro histórico

No centro antigo de Marselha, as ruas estreitas e sombreadas sempre funcionaram como sistemas naturais de ventilação. Mas décadas de impermeabilização, falta de manutenção e excesso de asfalto comprometeram esse equilíbrio. Agora, a iniciativa Plus fraîche ma ville está restaurando essas funções bioclimáticas.

Um diagnóstico realizado em parceria com o Cerema (centro público de estudos urbanos) e a Ademe (agência francesa de meio ambiente e energia) revelou as vulnerabilidades mais críticas da cidade –  baixa presença de vegetação, solo impermeabilizado e acúmulo de calor. A partir daí, técnicos e moradores estão trabalhando juntos para recuperar o que funcionava bem – ruas que ventilam, praças que refrescam, materiais que não retêm calor.

É uma combinação entre patrimônio arquitetônico e inovação climática. As soluções não vêm apenas da tecnologia, mas da memória urbana da própria cidade.

Domingos sem carro à beira-mar

La Voie est libre – Domingos sem carro à beira-mar em Marselha
Foto: © Ville de Marseille

Oito vezes por ano, aos domingos, a Corniche – famosa avenida costeira de Marselha que margeia o Mediterrâneo – é fechada para carros e se transforma em território exclusivo de pedestres e ciclistas. É a iniciativa La Voie est Libre, que atrai entre 25 mil e 30 mil pessoas a cada edição.

Durante o dia, a orla vira um grande espaço de convivência, com circuitos esportivos, música ao vivo e food trucks. Famílias passeiam, crianças andam de bicicleta, idosos conversam em bancos à sombra. É a cidade experimentando outra forma de existir – mais lenta, mais humana, mais fresca.

Ruas de crianças, cidades de afeto

Outra iniciativa que merece destaque é o programa Rue des enfants, que fecha temporariamente o entorno de escolas para garantir segurança e bem-estar aos pequenos. A ideia é criar zonas de proteção onde crianças possam circular com autonomia e sem medo do trânsito.

Onze ruas já foram transformadas, e a meta é criar 20 novas por ano até 2030. O governo não enxerga essa iniciativa apenas como uma questão de segurança viária, mas como uma aposta na reconquista do espaço público pelas pessoas. Quando crianças ocupam as ruas, a cidade inteira ganha vida.

Complementando essa estratégia, o projeto comunitário Prenez Place estimula o redesenho participativo de praças e vias. Moradores, comerciantes e urbanistas trabalham juntos para reduzir asfalto, aumentar a vegetação e criar espaços de convivência. 

Pilot Cities: aprender fazendo

Todas essas ações fazem parte de um plano mais amplo de adaptação climática que combina infraestrutura verde, mobilidade sustentável e engajamento popular. 

Marselha integra o programa Pilot Cities, do NetZeroCities, que reúne 53 cidades europeias comprometidas em acelerar a transição rumo à neutralidade climática e à resiliência urbana.

A vantagem de participar de uma rede como essa é poder testar soluções, trocar experiências e aprender com erros e acertos de outras cidades. Juntas, elas estão construindo um caminho coletivo de enfrentamento da crise climática.

Mais que refrescar, reimaginar

Marselha: Mais que refrescar, reimaginar
Foto: © Ville de Marseille

Ao “refrescar” seus espaços públicos, Marselha não está apenas enfrentando o calor, está redefinindo a forma de viver o espaço urbano. Suas praças, ruas e jardins estão se tornando lugares de convivência, segurança e saúde. Espaços onde a cidade, seus moradores e o clima aprendem a coexistir em equilíbrio.

É um processo lento, complexo e nem sempre linear. Mas é também uma lição: cidades não precisam aceitar passivamente as mudanças climáticas. Elas podem se adaptar, se transformar, se reinventar. E, no caminho, se tornarem mais justas, mais verdes e mais vivas.

Informações: Climate KIC, EU Convenant Mayors, Net Zero Cities

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