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John Elkington: “É preciso redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem”

John Elkington - 2024 interview

Em entrevista exclusiva, John Elkington fala sobre crises internas, conflitos geracionais, por que o ESG se tornou político e o que aprendeu em 50 anos “fazendo cócegas em tubarões”

Cobrir diariamente o mercado de sustentabilidade e ESG é, muitas vezes, um exercício de administrar a raiva, a frustração e a vergonha alheia.

O LinkedIn, a rede da biscoitagem corporativa, é um festival de autocelebração e tapinhas nas costas entre colegas. Por lá, muitas empresas se revelam ao comemorar (aparentes) grandes esforços, quando na verdade estão apenas entregando o greenwashing da vez. 

Salvo exemplos isolados, o mercado não é capaz de responder à urgência dos problemas socioambientais porque isso é antinatural à sua essência. E o problema dos exemplos isolados é que eles dificilmente acabam passando disso, quando o que mais precisamos é de conscientização em massa e colaboração radical.

É o que Vinicius Machado, sócio da Decah, empresa B que fomenta comportamentos colaborativos para catalizar cultura de impacto socioambiental, definiu muito bem em uma conversa que tivemos recentemente. “Instituições ou metodologias autorais não vão resolver problemas complexos sozinhos. Precisamos de colaborações entre antagônicos, vilões e guardiões da solução“.

Uma visão radical?

Desde que entendi que vivemos uma emergência climática, há pouco mais de cinco anos, concluí que não seria mais possível fazer jornalismo sem colocar essa urgência no contexto. Foi dessa implosão interna que A Economia B surgiu. 

Ao longo desses anos, passei a estudar diversos temas que cercam a economia regenerativa. Não demorou para essa jornada me levar à óbvia constatação de que é imperativo repensar a forma como o mundo produz, consome e distribui. 

Os detalhes disso podem ser melhor apresentados em futuros textos e até em um livro, quem sabe. Mas, em poucas palavras, tem a ver com fazer a economia circular se tornar regra em todos os mercados, transformar setores para que cumpram papéis que respondam às causas e consequências da mudança do clima, extinguir indústrias nocivas e repensar a lógica insustentável de ter o PIB e o faturamento do setor privado como métricas de sucesso econômico – simplesmente porque não há crescimento infinito em um planeta com recursos finitos. 

É uma visão que pode ser considerada radical para muitos, mas que vem da compreensão de que não existe alternativa. Crescer continuamente é uma ideia que nos é vendida desde sempre como o único caminho possível, mas que esconde que, para isso acontecer, a maioria tem que se dar mal.

A economia regenerativa e a janela de oportunidade para o Brasil

Essas duas imagens resumem a correlação entre a influência humana, o crescimento econômico e o aquecimento global. Elas só não mostram quem fica pra trás nessa história

Sinto que a gente vive em uma espécie de cegueira coletiva que é sustentada porque os que estão no topo sempre estiveram confortáveis e (sentem que) sempre estarão. Ainda assim, a emergência climática, cedo ou tarde, pode pegar de surpresa até mesmo os que vendem delírios marcianos, malabarismos meritocráticos ou negacionismos variados. 

Já tem mais de 50 anos que a ciência escancara uma verdade: desde a Revolução Industrial, a Terra começou a esquentar a índices sem precedentes. E isso tem se agravado e intensificado ano após ano, há mais de um século e meio, com uma curva ascendente nas últimas cinco décadas. O resultado disso não tem a ver somente com mudanças no clima, mas com desigualdades perpetuadas. Tudo está conectado!

O filme Don’t Look Up (Não olhe pra cima, Netflix, 2021), uma sátira ao negacionismo climático, cumpriu muito bem o papel de fazer essa verdade ser mais nítida do que o gelo derretendo e do quanto a ciência é subjugada quando deveria estar no centro das decisões econômicas.

Montagem editada a partir de uma cena de Não olhe pra cima, em que os cientistas tentam explicar a magnitude do problema ao governo dos EUA.

Redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem

Recentemente, tive a oportunidade de entrevistar John Elkington. Caso você não o conheça, Elkington é um dos maiores pensadores sobre sustentabilidade corporativa do mundo. Hoje, aos 75 anos, é sócio-fundador e Chief Pollinator da Volans, consultoria que “integra pensamento voltado para o futuro, sustentabilidade e inovação na estratégia corporativa”.

Em seu site oficial, ele é apresentado como um embaixador do futuro. Escreveu 21 livros, entre os quais “Canibais com garfo e faca”, publicado em 1997. O título é baseado em um poema do poeta polonês Stanislaw Lee, que questiona: “É progresso se um canibal usar um garfo?”.

Foi há quase 30 anos que Elkington trouxe ao mundo neste best-seller o conceito Triple Bottom Line (TBL). Ou seja, a ideia de que as empresas devem ir além da busca por lucros financeiros e considerar também seus impactos sociais e ambientais. Também conhecido como Tripé da Sustentabilidade, o TBL é uma das bases do que hoje se entende por  ESG.

Em 2020, publicou Green Swans: The Coming Boom In Regenerative Capitalism. Baseado nos eventos raros e imprevisíveis com impactos significativos apresentados em A lógica do Cisne Negro – O impacto do altamente improvável, de Nassim Nicholas Taleb, Elkington define como cisnes verdes as soluções inovadoras e sustentáveis que podem gerar mudanças positivas e sistêmicas na sociedade, economia e meio ambiente.

E, agora, acaba de lançar Tickling Sharks – How we sold business on sustainability. Neste, que é seu primeiro livro autobiográfico, John Elkington faz um resumo sobre o que aprendeu trabalhando mais de 50 anos, como ele mesmo me disse, “falando com pessoas muito poderosas sobre coisas que elas não querem ouvir”. 

A entrevista aconteceu em Amsterdam, em maio deste ano, durante o B For Good Leaders Summit. Na ocasião, John Elkington participou de um painel com Rutger Bregman sob a moderação de Isabelle Grosmaitre, fundadora e CEO da Goodness & Co, empresa B francesa que se posiciona como uma consultoria que ajuda organizações a se reinventarem para um futuro melhor.

Os três conversaram sobre desconfortos pessoais e desafios da liderança regenerativa. Em uma de suas falas, John compartilhou um drama pessoal:

A cada cinco ou seis anos eu tenho um colapso. Me sinto como uma lagarta entrando em um casulo e algo diferente saindo ao longo do tempo. Estou passando por um desses momentos agora. É intensamente emocional, porque de repente percebo que as coisas que venho fazendo há bastante tempo não estão tendo o impacto que gostaria que tivessem.

(…) Acho que, nestes momentos da nossa história coletiva, quando tudo está mudando a uma velocidade extraordinária, você não pode ter apenas uma epifania, precisa ter múltiplas, e múltiplas a cada cinco anos é bastante.

John Elkington - B for Good Leaders Summit 2024

Assista à entrevista exclusiva com John Elkington

Esse depoimento foi um dos fios condutores da entrevista que fizemos algumas horas depois do painel.

Além de questioná-lo sobre suas crises internas cíclicas, também perguntei a ele sobre a politização da agenda ESG, sobre conflitos geracionais, ansiedade climática e seu novo livro, Fazendo cócegas em tubarões, em tradução livre.

É uma conversa leve que flui entre esses e outros assuntos e que traz muita coisa para pensar e fazer a partir da simplicidade característica de quem já viu e viveu de tudo sobre um assunto.

Uma das falas que mais me marcou foi a que leva o título dessa matéria. 

Mais do que um desabafo, senti um misto de frustração e decepção por ele, talvez, perceber que não apenas seu trabalho, mas tampouco a comprovação científica de que o modo como vivemos e consumimos está colapsando ecossistemas e colocando em risco a própria vida humana, serviu para colocar o sistema econômico nos trilhos de uma economia regenerativa.

A saída, ele deixou claro, é uma só. “Estou cada vez mais concluindo que a única maneira de seguir em frente é começar a redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem.”
John Elkington resumiu, em uma frase, o que eu quis dizer quando falei sobre a visão “radical” que passei a ter quando entendi a emergência climática além do aquecimento global. 

Entre tantos questionamentos que ficam, uma reflexão importante é que a sua empresa não está fazendo sua parte apenas porque criou um comitê ESG, porque faz doações ou porque é um lugar decente para se trabalhar. A gente precisa ir mais fundo.

Algumas reflexões radicais? 

  • Se estamos falando sobre redesenhar mercados, moldar empresas e fomentar colaborações radicais, como sua empresa pode contribuir? 
  • Seu modelo de negócio colabora positiva ou negativamente para resolver os maiores desafios da nossa era? 
  • Você se uniria a um concorrente para buscar caminhos? Colaboraria com antagônicos? 
  • Abriria mão de margem de lucro?
  • Reduziria as benesses do alto escalão?

Qualquer coisa abaixo disso é perfumaria.

Leia a entrevista na íntegra*

João Guilherme Brotto – Como você vê a crescente politização de agendas de sustentabilidade em diferentes contextos pelo mundo?

John Elkington – Estou cada vez mais concluindo que a única maneira de seguir em frente é começar a redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem em uma agenda de mudança.

Tenho falado sobre isso há 50 anos, e agora está entrando no mainstream – o que significa que está se tornando político, porque as pessoas não gostam de certos elementos e estão resistindo. Mas, ao mesmo tempo, sou otimista. Acho que as evidências estão cada vez mais claras e os jovens certamente entendem.

Aliás, a grande tensão é entre jovens e idosos. Os mais velhos muitas vezes ainda estão lutando com o que está acontecendo, as implicações e a responsabilidade deles. E o problema com os mais velhos – e eu sou um deles – é que eles votam mais, e ainda têm uma grande influência política. 

Como eliminar o ruído que impulsiona movimentos anti-ESG e outros como os que citou?

Acho que ainda veremos mais reações contra o movimento ambientalista, pois as pessoas sentem que o que quer que façamos, terá grandes consequências para suas vidas e estilos de vida.

Uma das coisas que precisamos fazer coletivamente é pensar em quem vai ganhar e quem vai perder (ou está em risco de sofrer perdas) com tudo isso, e como apoiá-los durante a transição.

Alguns governos estão fazendo isso, mas a maioria não está abordando o tema adequadamente. Por exemplo, se muitas pessoas estão empregadas em combustíveis fósseis, você não pode simplesmente transformá-las em engenheiros de energia renovável. Mas pode fazer algumas coisas nesse sentido…

A questão é: se eles não vão se tornar engenheiros de energia renovável, o que mais podem se tornar? Como você os educa para isso? Como você os prepara para isso?

Pode contar um pouco sobre o livro que está lançando – Tickling Sharks (Fazendo Cócegas em Tubarões)?

Este é o meu 21º livro e é o primeiro em que realmente fui um pouco autobiográfico. Nele, olhei para trás em 75 anos da minha vida, 50 anos trabalhando nessa área, e tentei dizer: aqui estão algumas das histórias e esforços de mudança dos quais participamos, o que funcionou, o que não funcionou, o que podemos aprender com tudo isso.

E a conclusão é: esses foram 50 anos, o que acontecerá nos próximos 10 a 15 anos?

A resposta é mais mudanças do que vimos nos últimos 50 anos, mas isso não necessariamente nos levará na direção certa. Vai haver um colapso ao mesmo tempo em que haverá um avanço, então a liderança será absolutamente essencial. Não pode vir apenas de pessoas rotuladas como líderes, tem que vir de muitos de nós, se não de todos nós.

O livro se chama “Tickling Sharks” porque grande parte da minha vida profissional envolveu chegar muito perto de pessoas muito poderosas que realmente não querem falar conosco sobre como poderiam mudar.

E o subtítulo é “Como Vendemos Sustentabilidade para os Negócios”, como fizemos o mundo dos negócios pensar sobre algumas dessas coisas, porque quando fundei um negócio em 1987 chamado SustainAbility, tivemos que soletrar a palavra para as pessoas por uns três ou quatro anos, elas nunca tinham ouvido falar disso, não existia nesse sentido. Mas agora as pessoas entendem que precisam falar sobre isso. A questão é: o que vão fazer?

Estamos na era da ansiedade climática e muitas pessoas estão perdendo a esperança. Como você analisa esse contexto?

Uma das coisas que vejo em colegas mais jovens e jovens que encontro é a crescente ansiedade sobre o futuro em geral. Minhas próprias filhas, que agora estão na casa dos 40 anos, decidiram não ter filhos, e parte disso foi por uma falta de confiança no futuro.

Acho que é extremamente prejudicial para culturas e sociedades quando os jovens perdem a esperança no futuro. Temos que abordar isso com ainda mais urgência do que, por exemplo, a Covid-19 e outras possíveis pandemias.

Precisamos envolvê-los, porque é muito fácil ficar ansioso se você não estiver envolvido em ações práticas para mudar as coisas, para desenvolver soluções. Temos que encontrar maneiras de envolver os jovens muito mais ativamente em mudanças práticas, porque acho que disso virá uma maior compreensão do desafio que enfrentamos, mas também um maior senso de que isso é de muitas maneiras viável, desde que encontremos maneiras de fazer isso juntos.

Alguns jovens pensam que podem mudar o mundo, desde que consigam um assento na mesa do conselho ou um portfólio ministerial. Alguns deles podem conseguir isso, mas acho que vão precisar de muita ajuda e experiência ao longo do caminho.

No outro extremo, você tem idosos chegando ao ponto de pensar: sim, éramos ambientalistas – não éramos –, tentamos, falhamos, agora é com a geração mais jovem. Acho isso também muito perigoso. Este é um projeto intergeracional, todos temos que trabalhar juntos de maneiras que mal podemos imaginar no momento, e parte do que estou tentando fazer é descobrir como fazemos isso da melhor forma.

Você falou no palco que a cada cinco ou seis anos passa por um processo intenso de reflexão sobre o seu trabalho, e que está vivendo um desses momentos agora. O que está em sua mente?

A cada cinco ou seis anos, passo por um processo de perder a confiança no que estou fazendo atualmente, e isso é em parte porque chego ao ponto de pensar que sei o que devo fazer e como fazer, e fico entediado.

Então, quero me mover para novas áreas, tentar coisas novas. De fato estou passando por uma dessas fases no momento.

Trabalhei 50 anos com marcas, negócios, modelos de negócios, tecnologia e cadeias de suprimentos, mas estou cada vez mais concluindo que a única maneira de seguir em frente é começar a redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem.

Recentemente, tivemos a Unilever e a Shell fazendo grandes compromissos com a mudança climática e depois anunciando que vão recuar, em grande parte porque os mercados estão dizendo para não ir tão rápido ou não fazer isso.

Temos que descobrir como ajustar os mercados, e essa é uma das questões na minha mente no momento. Então, estou falando com muitas pessoas que tentaram e estão tentando aprender com isso.

Curiosamente, sou otimista porque acho que só em períodos como este, em que tudo está mudando, as pessoas começam a desafiar seu próprio pensamento.

Quando tudo está funcionando bem, elas dizem: “vá embora e não nos diga o que devemos fazer, está funcionando razoavelmente bem”. Mas depois de alguns anos, se as coisas realmente não estiverem funcionando bem, as pessoas começam a fazer perguntas maiores, começam a pensar no sistema como um todo, não apenas na parte em que estão operando. E acho que é aí que cada vez mais nos encontramos.

*Alguns trechos da entrevista com John Elkington foram editados para facilitar a compreensão.

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João Guilherme Brotto

Cofundador de A Economia B, jornalista, MBA em Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular e Multiplicador B do Sistema B Brasil. Baseado na Espanha, estou sempre viajando pela Europa para cobrir eventos e festivais de sustentabilidade, ESG, impacto e regeneração com o objetivo de levar conteúdos exclusivos para nossos leitores e clientes.

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