Da navegação por áudio espacial para deficientes visuais às redes de consumo solidário e plataformas que amplificam vozes marginalizadas, inovações apresentadas no ChangeNOW 2025 mostram como tecnologia, design e escuta ativa podem democratizar oportunidades e tornar a inclusão uma realidade
Desigualdades profundas ainda marcam o mundo.
No Brasil, por exemplo, pessoas negras representam 55,5% da população, mas ocupam apenas 13,8% dos cargos executivos e de diretoria e 5,9% dos assentos em conselhos de administração nas maiores empresas do país, segundo o Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 maiores empresas do Brasil, publicado pelo Instituto Ethos em 2024.
Além disso, de acordo com o 2° Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios, mulheres ainda recebem 20,7% menos do que os homens nas 50.692 empresas brasileiras com 100 ou mais empregados.
E ainda, as 14,4 milhões de pessoas com deficiência (6,7% da população) do país enfrentam obstáculos diários para acessar educação e trabalho, apesar das cotas legais. Isso para citar apenas alguns dados e grupos minoritários.
Globalmente, o cenário se repete com variações locais, mas com a mesma lógica de exclusão.
Uma transição verdadeiramente sustentável não pode ignorar essas desigualdades. Durante o ChangeNOW 2025, em Paris, diferentes iniciativas mostraram que soluções inovadoras já estão transformando esses desafios em oportunidades concretas. A seguir, destacamos sete projetos que enfrentam a exclusão com criatividade, tecnologia e escuta ativa.
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#1 Lapee
Dinamarca
Em eventos e espaços públicos, mulheres e pessoas que precisam agachar para urinar enfrentam filas até 34 vezes maiores para usar o banheiro. Criado por duas arquitetas dinamarquesas, o Lapee é um mictório que oferece uma alternativa rápida, segura e higiênica para esse público.
Inspirado na longa experiência das fundadoras como voluntárias em festivais na Escandinávia, o Lapee nasceu para garantir igualdade de acesso, segurança e dignidade em espaços coletivos.
Com design aberto e elevado, feito de materiais recicláveis, o Lapee protege a usuária de olhares externos ao mesmo tempo em que permite visão do ambiente, reforçando a sensação de segurança. O mictório não usa água, é autoventilado e pode ser conectado a um tanque ou diretamente à rede de esgoto, permitindo até 3.500 usos por tanque ou uso ilimitado quando conectado à rede. A estrutura acomoda três pessoas simultaneamente de forma confortável, rápida e discreta, tornando-o ideal para festivais e grandes eventos.
#2 Ramdam Social
França
A Ramdam Social transforma o consumo diário em um ato de solidariedade. O nome “Ramdam” vem da expressão francesa que significa “barulho”, “agitação” – e é exatamente isso que a iniciativa quer causar: um movimento que agite as práticas de consumo para incluir quem mais precisa.
Criada na França, a iniciativa conecta marcas e consumidores para viabilizar doações diretas a pessoas em situação de vulnerabilidade, sem custo adicional para quem compra.
A lógica é simples: a cada produto adquirido, uma parte do lucro é automaticamente revertida em ajuda concreta. Um pacote de biscoitos, por exemplo, representa 100 gramas de frutas e vegetais doados. Já uma refeição pronta garante duas porções de alimentos frescos para estudantes atendidos por uma ONG parceira. Outros exemplos incluem a distribuição de kits de higiene menstrual, porções de lanches para jovens e até banhos solidários para pessoas em situação de rua.
Por meio de um QR code nas embalagens, os compradores acompanham em tempo real como sua compra gerou ajuda concreta.
Até junho de 2025, a iniciativa já permitiu a oferta de mais de 144 mil porções de frutas e vegetais, 259 mil lanches distribuídos e até 29 mil dias de proteção menstrual para mulheres em vulnerabilidade. Sem aumentar preços ou criar barreiras, a Ramdam prova que o consumo consciente pode ser automático, escalável e verdadeiramente inclusivo.
#3 Dreamers Team
França
Nascida nos subúrbios de Paris, a Dreamers Team confronta uma realidade estatística incômoda: imigrantes, jovens de periferia e pessoas em transição profissional enfrentam barreiras sistemáticas para acessar formação e emprego.
A organização francesa atua como ponte entre talentos invisibilizados e setores que precisam de mão de obra, oferecendo formações personalizadas que preparam profissionais para “métiers essenciais” – trabalhos considerados essenciais para o “funcionamento”, do país mas que sofrem com escassez de trabalhadores.
A abordagem pedagógica combina acompanhamento próximo, adaptação ao ritmo e ao contexto de cada pessoa e construção coletiva de saberes. Cada participante é incentivado a reconhecer suas próprias capacidades, fortalecer a autoestima e desenvolver competências práticas para funções essenciais na economia.
A Dreamers Team também oferece formações para lideranças e programas voltados à transição ecológica, incluindo temas como práticas sustentáveis, economia circular e gestão de resíduos.
Em 2023, a organização formou 224 pessoas em mais de 10.500 horas de treinamento. Os cursos são construídos em parceria com empresas e organizações do setor social, de forma personalizada e ajustada às necessidades reais de profissionais e entidades parceiras.
#4 WaveOut
Áustria
Para pessoas cegas ou com baixa visão, sair de casa pode significar estresse constante na navegação urbana. Para ciclistas, alternar o olhar entre celular e trânsito representa risco real de acidentes. O WaveOut, desenvolvido na Áustria, é o primeiro aplicativo de navegação que usa áudio espacial em vez de mapas visuais, facilitando a locomoção de diferentes públicos com mais segurança e autonomia.
Em vez de mostrar setas ou comandos escritos complexos (“vire à direita em 200 metros”), o app cria “pontos virtuais” no ambiente real e transforma cada referência de direção em um som tridimensional. Assim, a pessoa caminha ou pedala seguindo o som – como se estivesse ouvindo um amigo chamando logo à frente. Além disso, o aplicativo permite criar rotas familiares, evita locais desafiadores como praças lotadas ou obras e oferece descrições dos pontos de interesse ao redor durante o percurso.
Desenvolvido em colaboração com associações de pessoas cegas, o WaveOut atende três públicos específicos: pessoas com deficiência visual que buscam autonomia e confiança para se mover pela cidade, turistas que querem explorar destinos sem precisar olhar constantemente para o celular e ciclistas que necessitam manter atenção total no trânsito.
#5 Eurosense
A Eurosense é uma rede de ciência cidadã criada para aproximar a democracia das experiências reais das pessoas em toda a Europa. Liderada pelo movimento Volt Europa, a iniciativa coleta micro-histórias e percepções de cidadãos em diferentes países, transformando essas narrativas em dados para orientar políticas públicas mais inclusivas e eficazes.
Em vez de pesquisas tradicionais, a Eurosense usa uma ferramenta de escuta ativa que permite que cada pessoa compartilhe sua história e interprete a própria experiência. Isso reduz vieses externos e revela nuances que dificilmente apareceriam em questionários fechados. As histórias são curtas e podem ser enviadas em formato escrito ou áudio, sendo depois analisadas em conjunto com perguntas complementares que ajudam a mapear sentimentos, prioridades e preocupações.
Na primeira rodada do projeto, foram coletadas 865 histórias em 24 países europeus, evidenciando preocupações comuns como desigualdade, regressão democrática e falta de ação política. Entre os temas mais citados estão justiça social, convivência comunitária e governança democrática. Muitos participantes expressaram a sensação de que “o governo não se importa” e apontaram uma necessidade urgente de mudança e inovação para combater retrocessos percebidos.
Ao valorizar essas vozes – muitas vezes invisíveis ou marginalizadas nos processos tradicionais de decisão –, a Eurosense busca enfrentar a crescente polarização e reconstruir a confiança nas instituições. No fim, a iniciativa quer transformar percepções individuais em soluções coletivas, estimulando tanto a ação cidadã quanto a responsabilidade política.
#6 Ghett’up
França
“Nós não somos o problema, somos a solução.”
Essa frase resume a filosofia da Ghett’up, ONG que transforma a narrativa sobre jovens das periferias francesas ao criar espaços seguros e colaborativos onde eles podem desenvolver confiança, descobrir talentos e construir soluções para suas próprias comunidades. A abordagem parte da cultura urbana como ferramenta pedagógica e política, promovendo atividades que vão de workshops de vídeo, dança e música a debates públicos, intervenções artísticas e mobilizações sociais.
Um exemplo é o programa “Passoires Bouilloires Thermiques”, que denuncia a injustiça energética e ambiental em habitações precárias, mostrando como a desigualdade também se reflete no acesso ao conforto térmico e na conta de luz. Outro destaque são os vídeos colaborativos criados pelos jovens, que abordam desde violência policial até racismo estrutural, conectando narrativas locais a debates globais.
Fundada em 2016, a organização já impactou mais de 5 mil jovens por meio de programas formações em liderança, oficinas de expressão cultural, projetos audiovisuais programas de pesquisa e conscientização.
#7 Hello Art Up
França
A Hello Art Up transforma casas de repouso em espaços vivos de criação e conexão, convidando idosos a se tornarem artistas, curadores e protagonistas das próprias histórias. A iniciativa leva exposições digitais imersivas, cocriadas com residentes, familiares, cuidadores e equipes técnicas, adaptadas à rotina e ao contexto de cada instituição.
Ao valorizar memórias e estimular a expressão criativa, os projetos ajudam a fortalecer a autoestima, combater o isolamento social e promover o bem-estar emocional. Não se trata apenas de expor arte, mas de criar juntos, um processo participativo que reforça laços, dá sentido ao cotidiano e inspira novos olhares para a vida na terceira idade.
Na campanha de 2024, realizada em parceria com o artista Kimso, 142 participantes se envolveram diretamente. Entre os resultados, 91% dos residentes relataram sentir orgulho de terem participado, 97% dos profissionais também se disseram orgulhosos, e 63% dos idosos afirmaram ter se interessado mais por cultura após o projeto. Além disso, 65% planejam continuar produzindo mensalmente, e 66% querem se envolver ainda mais em futuras iniciativas.
Essas sete soluções mostram que a inclusão pode ser concreta, escalável e mensurável – transformando estatísticas de exclusão em oportunidades reais de participação.
E elas são apenas uma amostra do que está acontecendo pelo mundo.
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