Entrevistas

Comunicação com propósito e marketing transformador

comunicação com propósito

Andrea Siqueira, diretora executiva de criação da agência BETC Havas São Paulo, fala sobre a importância de se aliar comunicação e propósito e indica caminhos para que as marcas se posicionem de forma autêntica, impulsionando transformações no mundo

Você reconhece algumas das situações abaixo em ações de comunicação realizadas por empresas?

  • Marcas intrusivas, que interrompem o dia a dia das pessoas e coletam informações pessoais sem autorização. 
  • Exagero nas promessas do que um produto ou serviço pode oferecer – como se o consumo de determinado item pudesse mudar drasticamente a vida de uma pessoa, fazendo ela alcançar um determinado ideal (geralmente imposto pela própria marca). 
  • Falta de transparência, maquiagem ou ocultação dos custos de produção do produto – escondendo, por exemplo, os impactos socioambientais resultantes da operação. 
  • Negligência em relação à diversidade (étnica, física e social), deixando de representar boa parte da população em suas ações de comunicação e ressaltando determinados padrões de beleza e de vida, além de reforçar linguagens e visões preconceituosas e machistas. 

Esses são apenas alguns dos problemas que fazem com que, muitas vezes, a comunicação das empresas com os consumidores seja vista com maus olhos. Além disso, ao longo da história, essas questões prejudicaram a reputação da publicidade, diminuindo a confiança das pessoas na propaganda. 

Contudo, transformações no comportamento do consumidor estão impulsionando mudanças na maneira como as empresas se posicionam e se comunicam com os consumidores, impactando diretamente no papel da publicidade.

Se, no passado, o marketing prometia mudar sua vida caso você adquirisse determinado produto, hoje, o objetivo é mostrar que, apoiando certas marcas, você pode ajudar a mudar o mundo.

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Andrea Siqueira

“Antes, vivíamos a era do marketing da experiência. Hoje, estamos vivendo a era do marketing da transformação. As marcas podem assumir o papel de empoderar o indivíduo a provocar transformações em sua volta. O coletivo, hoje, assume um papel importante”, analisa Andrea Siqueira, diretora executiva de Criação da agência BETC Havas São Paulo. 


No cerne dessa movimentação surge o conceito que coloca o propósito na base do marketing: o chamado marketing de causa – marketing de propósito ou
purpose-driven marketing

Seja qual for o nome, o importante é que os valores e os propósitos defendidos na comunicação da marca sejam autênticos e estejam alinhados com o posicionamento da empresa em outras esferas. 

Especialista em Comunicação e Publicidade, Andrea esteve envolvida em campanhas icônicas nesse sentido – caso, por exemplo, da ação Me Gosto com Gosto, da eQlibri, que destacou a diversidade e o protagonismo feminino. Além disso, a campanha HER SHE, da Hershey’s, que deu visibilidade a artistas mulheres, também é outro exemplo de ação com propósito liderada por Andrea.

Para entender melhor essas transformações e saber como as marcas podem se comunicar utilizando o propósito como base – sem cair em armadilhas de discursos vazios –, conversamos com Andrea. Acompanhe!

A Economia B – Como você define “marketing de causa” (ou marketing de propósito/purpose-driven marketing)? Como esse conceito tem evoluído e se transformado nos últimos anos?

Andrea Siqueira – Eu não gosto do termo marketing de causa, pois, para mim, soa oportunista.

Achar a causa ou o propósito é tão importante quanto ter consciência da missão da empresa, da marca. Ou seja, é algo que precisa nascer de dentro para fora, precisa refletir os valores da organização. E precisa engajar os primeiros advogados dessa ideia, que são os próprios colaboradores. 

Antes, vivíamos a era do marketing da experiência. Hoje, estamos vivendo a era do marketing da transformação. As marcas podem assumir o papel de empoderar o indivíduo a provocar transformações em sua volta. O coletivo, hoje, assume um papel importante. 

Por que as organizações deveriam se preocupar em se posicionar em relação a causas – sejam elas políticas, sociais ou ambientais? Qual é a importância disso no contexto atual?

Um estudo da Harvard Business School provou que o faturamento de marcas com propósito supera em até 400% o das demais. Ou seja, é mais lucrativo no longo prazo.

E ainda, uma pesquisa feita pela GlobeScan em 2017 mostrou que 65% dos consumidores preferem marcas com propósitos claros e que agem em benefício da sociedade. Inclusive, acredito que hoje, depois da mobilização de várias empresas e marcas durante a pandemia, esse número seja ainda maior.

Além disso, outro estudo, esse da Edelman, de 2018, mostrou que 69% dos brasileiros compram por convicção – ou seja, escolhem, apoiam ou boicotam uma marca com base em seu posicionamento sobre questões da sociedade.

Portanto, novos modelos de atuação precisam ser pensados. E as marcas podem ser essa plataforma de conexão, empoderando as pessoas e as comunidades, acelerando as transformações.

Por fim, é importante destacar que propósito é algo que não se molda dependendo da tendência do momento. Por isso mesmo, é preciso coragem e criatividade para encontrar e seguir o seu. Afinal, ser uma marca “paisagem” é mais fácil, já que não há nem grandes haters, nem grandes lovers. 

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Quais são os principais erros que as empresas cometem ao adotar o marketing de propósito? O que é preciso evitar?

O principal erro é a falta de consistência. Mas não é o único. Além disso, como disse anteriormente, o propósito precisa nascer de uma verdade da marca, não pode ser a “moda do momento”. O consumidor percebe quando é apenas uma falácia, sem verdade.

comunicação com propósito

Todos esses movimentos por igualdade de gênero, maior diversidade racial, antietarismo, sustentabilidade, etc., precisam ser vivenciados pela empresa antes de serem assumidos como bandeiras. O consumidor vai cobrar o que a marca está fazendo para ajudar a promover a transformação de verdade. “Story-doing” é mais importante do que “story-telling”. 

Aliás, defender uma causa ou levantar uma bandeira apenas porque é tendência ou para tentar melhorar a reputação de uma empresa não é sustentável no longo prazo. O consumidor percebe quando é uma farsa, e isso pode causar um efeito inverso muito maior.

Como as empresas podem escolher quais causas defender em suas ações?

Os fundamentos da empresa/marca é que definem isso. Portanto, o primeiro passo é saber responder:

  • Qual é a missão, qual é o motivo para que essa empresa/essa marca exista?
  • Quais são os valores da empresa?
  • Como os funcionários são tratados?
  • Existe diversidade?
  • Há cuidado com a comunidade?
  • A empresa atua de forma transparente?
  • Qual a narrativa central dessa marca?
  • Quais os públicos para quem essa marca comunica?

Quais são os riscos que as empresas correm ao apostar guiar suas ações por propósito?

O maior risco é a falta de verdade interna da empresa com a causa. Um grande risco e um grande erro. Porque, se há verdade e os haters aparecem, os fãs saem em defesa da empresa.

Aliás, a satisfação e o engajamento (tanto do público interno quanto dos clientes e de membros da sociedade) são grandes benefícios de as empresas agirem guiadas por propósito. Inclusive, uma pesquisa da Accenture de 2019 revelou que 62% dos consumidores esperam que as marcas apoiem as causas que eles se interessam.

Por outro lado, ao não se posicionar, a empresa perde a conexão com o consumidor e, consequentemente, perde parte do seu valor. A partir do momento que uma marca não tem mais valor, só o resta o preço.

Qual é o papel da publicidade para o avanço de causas importantes – como, por exemplo, diversidade e inclusão?

É dever do mercado inspirar e se responsabilizar pela transformação. Hoje, a publicidade está corrigindo um erro de muitos anos de perpetuar a mesma escolha de casting, os mesmos modelos de atuação dos personagens.

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Poderia citar um exemplo claro de marketing guiado por propósito?

Um case recente e bastante emblemático é o que envolve a Nike e o atleta da NFL (liga de futebol americano dos Estados Unidos) Colin Kaepernick, patrocinado e parceiro da marca desde 2011. Antirracista, o atleta iniciou um movimento de se ajoelhar no momento da exibição do hino americano em sinal de protesto.

Os haters responderam, as ações da Nike caíram. Contudo, a empresa não retrocedeu e apoiou o atleta, fez uma campanha com o texto “acredite em algo, mesmo que isso signifique sacrificar tudo”. Como resultado, as ações da Nike subiram para patamares ainda maiores do que antes.

No Brasil, em 2020, a Natura, sofreu retaliação de uma parcela da sociedade contra pessoas LGBT em sua comunicação de Dia dos Pais.

Assim como a Nike, a Natura não retrocedeu, outras marcas apoiaram a empresa e, dias depois da polêmica envolvendo Thammy Miranda, as ações da empresa tiveram acréscimo de 6,7% no valor de venda, a maior alta da Ibovespa, principal índice acionário do Brasil.

Teria algum material educativo para recomendar para profissionais que queiram se aprofundar em purpose-driven marketing?

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Francine Pereira

Jornalista, especializada em criação de conteúdo digital. Há mais de 10 anos escrevo sobre tendências de consumo, inovação, tecnologia, empreendedorismo, marketing e vendas. Minha missão aqui no A Economia B é contar histórias de empresas que estão ajudando a transformar o mundo em um lugar mais justo, igualitário e sustentável.

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