Entenda o panorama global do crescimento das desigualdades e saiba como o desequilíbrio socioeconômico impede o progresso do desenvolvimento sustentável
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 10:
Este conteúdo faz parte da série Pandemia de Covid-19 e os ODS. Leia todos os artigos sobre o impacto dessa crise na Agenda 2030 aqui
É surreal pensar que enquanto 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza extrema durante a pandemia, ao mesmo tempo, a cada dia surgiu um novo bilionário no mundo. Além disso, desde 2020, enquanto a renda de 99% da humanidade caiu severamente, a riqueza dos 10 homens mais ricos dobrou!
É fato que a Covid-19 expôs clara e diretamente o imenso contraste social e econômico presente em todo o globo. Aliás, mais do que isso, ela agravou essas desigualdades. Estimativas apontam que a crise gerada pela pandemia fez com que de três a quatro anos de progresso em relação à erradicação da pobreza fossem perdidos.
Inclusive, a parcela mais vulnerável da população é a que mais sofreu e ainda sofre com as consequências dessa crise. Além disso, também é o grupo com mais dificuldade de se recuperar no pós-pandemia. Porém, impactos desiguais não são exclusivos da pandemia.
O desequilíbrio na forma como grandes crises afetam diferentes parcelas da população pode ser percebido de várias maneiras e em diferentes contextos:
- Os mais ricos são responsáveis pela maioria das emissões de carbono globalmente. No entanto, é a população dos países mais pobres a que mais sofre com as mudanças climáticas.
- Ainda que mulheres e negros sejam a maioria no Brasil, esses grupos são os que recebem menos oportunidades e menores salários no mercado de trabalho – e os que mais sofrem com desemprego.
- A crise atual de inflação atinge de maneira desproporcional a população mais vulnerável social e economicamente. Afinal, o aumento dos preços diminui ainda mais o poder de compra de quem já tem uma renda insuficiente, levando mais pessoas para a pobreza extrema e para a fome.
E tudo isso, infelizmente, não chega nem perto de esgotar todos os problemas e consequências da desigualdade social e econômica crescente.
Leia também: Como a pandemia de Covid-19 impacta na erradicação da pobreza (ODS 1)
O estado da desigualdade global e no Brasil
Do ponto de vista histórico, as desigualdades globais são tão grandes hoje quanto no auge do imperialismo ocidental no início do século XX. Aliás, a renda da metade mais pobre da população mundial é cerca de duas vezes menor hoje do que em 1820.
A verdade é que a equação se repete ao longo dos anos. Ou seja, os mais ricos detêm mais poder – e, portanto, ficam cada vez mais ricos –, enquanto pessoas pobres e de grupos vulneráveis têm pouca ou nenhuma oportunidade para se mobilizar socialmente, fazendo com que a pobreza perdure por gerações.
O relatório World Inequality 2022 traz alguns dados que refletem com clareza essa segregação socioeconômica resultante de uma distribuição extremamente desigual de riqueza e renda. Segundo o estudo:
- Mais da metade (52%) de todo o rendimento global vai para os 10% mais ricos da população.
- A parcela mais pobre recebe apenas 8,5% da renda distribuída em todo o mundo.
- Enquanto os 10% mais ricos ganham anualmente, em média, US$ 122.100; indivíduos do grupo mais pobre da população ganham US$ 3.920 por ano.
Além disso, a pesquisa indica que as desigualdades globais de riqueza são ainda mais pronunciadas do que as desigualdades de renda. A metade mais pobre da população global tem apenas 2% do total de riquezas. Em contraste, os 10% mais ricos detêm 76% de toda a riqueza do mundo.
De fato, essa é uma diferença assustadora. Porém, é importante lembrar que esses dados mostram a média global. Ou seja, o contraste entre diferentes países é ainda maior.
Analisando as médias de rendimento dentro de diferentes regiões é possível entender com mais clareza o tamanho da desigualdade. O Brasil, por exemplo, é um dos países com piores distribuição de renda no mundo.
- Enquanto a parcela mais pobre dos brasileiros possui menos de 1% da riqueza do país, 1% da população brasileira detém metade da riqueza total.
- Além disso, a metade mais pobre da população brasileira recebe uma renda 29 vezes menor do que a dos 10% mais ricos.
Em termos de comparação, na Suécia, um dos países menos desiguais do mundo, os 10% mais ricos da população ganham pouco mais de 30% da renda nacional total e os 50% mais pobres recebem quase 24% da renda nacional.
Leia também: Como o aumento do desemprego afeta a Agenda 2030 e a evolução do ODS 8
Impactos desiguais da crise da pandemia
Com mais de 30 milhões de casos diagnosticados, o Brasil é o país mais afetado pela Covid-19 na região da América Latina e Caribe e o terceiro em todo o mundo. No entanto, os impactos da crise social e econômica gerados pela pandemia no Brasil não atingiram a todos da mesma maneira.
Segundo o relatório Pobreza e Equidade no Brasil, desenvolvido pelo Banco Mundial, a parcela mais pobre da população brasileira sentiu mais duramente as consequências econômicas negativas da pandemia. O estudo aponta que:
- A deterioração do mercado de trabalho diminuiu a renda domiciliar, com os 40% mais vulneráveis da população sendo os mais atingidos.
- A desigualdade digital e os baixos níveis de acesso à tecnologia entre a parcela mais pobre limitou sua capacidade de adaptação às mudanças no ambiente de trabalho ocasionadas pela Covid-19.
- Essa limitação também se refletiu no acesso à educação. Durante a pandemia, apenas metade das crianças que viviam em um domicílio entre os 20% mais pobres estavam envolvidas em atividades escolares durante a semana (presencialmente ou virtualmente). Enquanto esse era o caso de três em cada quatro crianças nas famílias mais ricas.
- A participação das mulheres na força de trabalho diminuiu significativamente mais do que para os homens. Isso aconteceu em grande parte devido aos papéis sociais tradicionais de gênero que aumentaram o trabalho doméstico não remunerado das mulheres.
- Entre os jovens de baixa escolaridade, os negros e os residentes nas regiões Norte e Nordeste tiveram maior probabilidade de perder seus empregos como resultado da pandemia.
Por fim, outro aspecto que indica como a crise gerada pela Covid-19 contribuiu para o aumento das desigualdades no Brasil é o aumento do número de brasileiros vivendo com fome.
O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil revela que 19,1 milhões de brasileiros conviviam com a fome no fim de 2020. Em 2022, já são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer.
Leia também: O agravamento da insegurança alimentar no Brasil e o papel das empresas no combate à fome
A relação entre as desigualdades e o desenvolvimento sustentável
A desigualdade impacta a sociedade de tantas maneiras que não é possível falar em desenvolvimento sustentável sem tratar das desigualdades que assolam grande parte da população.
Não é à toa que dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), onze estão relacionados a algum tipo de desigualdade e trazem metas para gerar mais equidade e inclusão. São eles: objetivos 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 16 e 17.
Além disso, direta e indiretamente, a desigualdade impede o avanço da maioria dos objetivos da Agenda 2030, ao mesmo tempo em que agrava alguns problemas que os ODS propõem resolver. Entenda:
O progresso do ODS 10
Ainda que esse seja um tema que permeia toda a Agenda 2030, há um ODS que trata de maneira direta a desigualdade: é o Objetivo 10, que visa reduzir as desigualdades no interior dos países e entre eles.
Esse ODS aborda questões como as desigualdades de riqueza e renda, a regulação dos mercados financeiros globais e os desequilíbrios de poder na governança global.
Como os dados desse artigo indicam, as desigualdades globais estão em péssimo estado. De maneira geral, essa é uma questão que tem piorado nos últimos anos, especialmente por conta da Covid-19 e de outros fatores econômicos e políticos. Ou seja, estamos longe de alcançar os ODS 10.
No Brasil, um país historicamente já bastante desigual, o cenário é bastante ruim, e o ODS 10 também parece estar travado.
Segundo o Relatório Luz, desenvolvido pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, no Brasil, das 10 metas do ODS 10:
- Sete estão em retrocesso;
- Uma está estagnada;
- Duas não puderam ser analisadas por falta de disponibilização de dados.
Ou seja, nosso país definitivamente está bem longe do caminho para promover a redução das desigualdades até 2030.
O papel das empresas para a redução das desigualdades
O poder privado tem um papel muito importante na redução das desigualdades. Afinal, as empresas influenciam nos níveis de desigualdades das seguintes maneiras:
- Por meio das decisões que tomam sobre como distribuir o valor econômico que geram – inclusive decidindo se pagam salários dignos e como estruturam a remuneração dos executivos.
- Pagando ou não impostos essenciais para financiar a previdência social que reduz a desigualdade e o investimento público em saúde, educação e infraestrutura.
- Pela maneira como usam sua influência econômica e política para moldar o mercado e seu ambiente regulatório.
- Os negócios também podem exacerbar a desigualdade e seus impulsionadores estruturais quando são cúmplices na perpetuação de preconceitos e discriminação.
- Além disso, por meio de suas operações, as empresas lidam diretamente com questões relacionadas a direitos humanos e direitos dos trabalhadores. Portanto, têm função crucial de garantir que todos os envolvidos em seus processos internos e externos sejam tratados de maneira justa e igualitária.
- Por fim, organizações também podem ter um impacto positivo para a redução das desigualdades por meio de modelos de negócios inclusivos que empoderam grupos marginalizados no local de trabalho, no mercado e na comunidade.
Quer saber mais sobre as ações que as empresas podem desenvolver para contribuir para o avanço do ODS 10? Esse é o tema do próximo artigo da série sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.
➔ Enquanto isso, leia os artigos já publicados nessa série ODS para entender o progresso da Agenda 2030. Acompanhe a série e conheça empresas que estão fazendo seu papel para garantir um futuro mais justo, inclusivo e sustentável.
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