Entrevistas Tendências

Uma conversa sobre tendências, inovação e a nova percepção sobre valor

Uma conversa sobre tendências, inovação e a nova percepção sobre valor

Curadora de inovação e tendências para a economia do impacto propõe reflexões para profissionais e empresas que buscam se adaptar a tendências de consumo atreladas à emergência climática e seus inúmeros desmembramentos

Ser transparente, assumir compromissos éticos e políticos, oferecer possibilidades de diversão e, ao mesmo tempo, controle aos clientes, não costumavam ser preocupações centrais para as marcas.

No entanto, tendências de consumo sinalizam que as demandas dos consumidores mudaram bastante – e a visão sobre como as empresas devem se posicionar, também. Aliás, já falamos sobre isso aqui.

Em meio a essa dinâmica, o significado prático de inovação e o conceito de valor percebido se transformam para atender a novas necessidades, desejos e motivações de compra.

O conceito de inovação vem sendo ressignificado? O que significa gerar valor em meio à emergência climática? Privilégio exige responsabilidade? Como evitar o greenwashing não deliberado? Qual é a relação entre análise de tendências e estratégia?

Quem responde é Gabriela Ferreira, Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professora titular da PUC-RS e pesquisadora na área de Estratégia, Competitividade, Inovação e Empreendedorismo. A professora também trabalha com curadoria de inovação e tendências para a economia do impacto e desenvolve ecossistemas de inovação para organizações e ministra cursos e palestras.

Na entrevista, falamos sobre sobre como a ressignificação do conceito de valor exige que as organizações entendam que novos comportamentos de consumo exigem novas formas de se fazer negócios. Além disso, a especialista propõe reflexões para profissionais e empresas que buscam se adaptar a tendências de consumo atreladas à emergência climática e seus inúmeros desmembramentos ambientais, sociais e econômicos. 

Acompanhe!

A Economia B: Quero abrir nossa conversa com uma frase sua que eu gosto muito. Você diz: “As tendências são o que o mercado quer. Eu, como empresa, preciso atender. Para atender, preciso definir estratégias, medir e entender”. Mas, na prática, nem sempre a análise de tendências faz parte do dia a dia das organizações. Como você enxerga essa realidade? 
Gabriela Ferreira – inovação, análise de tendências, propósito
Gabriela Ferreira – Foto: Lisa Roos Fotografia

GABRIELA FERREIRA: Se a empresa não tem ninguém olhando para tendências, ela não tem ninguém olhando para a estratégia. Se eu não consigo pensar na estratégia e só estou fazendo a roda girar, não estou pensando no que vou fazer no futuro. É por isso que, quando se pensa estrategicamente, é preciso pensar em tendência. 

A tendência é o comportamento. O comportamento é que vai ditar a demanda, e a demanda vai ditar a produção, a inovação. A tendência mostra para onde eu vou. E eu vou para onde os clientes me levarem! E eles vão me levar para aquilo que é tendência. Portanto, no momento em que a empresa pensar em estratégia, ela vai chegar na tendência. 

Agora, claro, também é possível fazer o caminho inverso, e pensar em tendências antes da estratégia.

Porém, nesse caso, é comum que a empresa se dê conta de que deseja entender e trabalhar com tendências, mas não tem senso estratégico, quer fazer isso esporadicamente. Só que não se pode usar tendências aleatoriamente para pensar o negócio. Se não existe senso estratégico, é impossível saber para onde se vai. Então, não adianta pensar em tendência e contratar essa ou aquela agência. Não faz sentido quando é um espasmo.


coolhunting e análise de tendências

Saiba mais:

Quer aprofundar os estudos no campo da análise de tendências e inovação?

Há alguns anos nós produzimos, em parceria com o Sebrae-PR, o guia Coolhunting: como identificar e analisar tendências e transformá-las em inovações.

É um conteúdo que explica conceitos e traz ferramentas práticas para quem deseja se aprofundar na análise de tendências e no mundo da inovação. Ele está disponível aqui.


AEB: Inovações muitas vezes nascem a partir de tendências. E, em linhas gerais, inovação sempre esteve atrelada a ganhos de produtividade, eficiência e motivações financeiras, sobretudo. Porém, é possível observar cada vez mais inovações atreladas ao impacto socioambiental. Você acredita que as empresas estão mudando a forma como enxergam a inovação ou as crescentes iniciativas ESG são resultado de uma busca por atender mudanças no comportamento de consumo?

Usando os termos mais clássicos da Economia e do Marketing, inovar é criar algo novo ou significativamente melhorado que crie valor. O que está mudando é a ideia do que é inovação – o que devo fazer e como fazer – e a percepção do que é criar valor.

Criar valor sempre esteve atrelado ao retorno financeiro para a maioria dos agentes econômicos. Hoje, porém, a percepção de valor, assim como o conceito de sustentabilidade, está mudando.

Quando começou a se falar em sustentabilidade, a questão era puramente ambiental. Depois, entrou junto o social. Agora, falamos em um tripé ambiental, social e econômico. Mas por que as empresas estão adotando isso? Pela concretude dos fatos.

A gente começou no ambiental porque percebeu que o mundo estava se degradando. Na sequência, vimos que além do ambiente físico, as pessoas e a sociedade estavam se degradando nesse modelo econômico dominante. Ou seja, existe uma necessidade de ir além. 

No entanto, é muito importante ressaltar que o mercado não mudou a sua dinâmica. O mercado vai para onde a demanda puxar, por isso que a consciência das pessoas é importante. E se o que está mudando é a percepção do que é valor para os consumidores, a inovação passa a olhar para isso. 

Crônicas da inovação – Gabriela Ferreira


Saiba mais:

Em 2020, Gabriela lançou o livro Crônicas da Inovação: um olhar reflexivo e provocador sobre o cotidiano da inovação (ediPUCRS).

Atualmente, ela finaliza a edição de uma coleção de livros infantis sobre mulheres cientistas, em que vai tratar de ciência, inovação e gênero.


AEB: Você acha que isso tudo já está bem compreendido no meio corporativo ou ainda estamos em uma bolha?
Gabriela Ferreira – análise de tendências, propósito e inovação
Gabriela Ferreira – Foto: Lisa Roos Fotografia

Não. Essa percepção está mal distribuída.

Existem empresas que são nativas do impacto, mas a realidade delas é muito diferente, e isso está longe de ser mainstream. Ainda é uma bolha pequena, dependendo do local do mundo em que estamos. 

Sustentabilidade está na moda, mas “ninguém” sabe o que é e “ninguém” sabe como fazer.

Como tudo na vida, isso tem dois lados. O lado bom é que está todo mundo falando sobre o assunto e querendo fazer algo, então a gente salva alguns no meio do caminho.

Mas o lado ruim é que cresce o greenwashing. Que, aliás, é o que mais tem. Às vezes não é nem deliberado, mas por ignorância no sentido próprio da palavra – desconhecimento total, amplo e absoluto. E falo isso até mesmo de profissionais e empresas da minha convivência.

Em países em desenvolvimento, como o Brasil, percebo que o debate está no nível do privilégio. Hoje, como o tema é moda, e moda é para a elite, é algo paradoxal. Falar de impacto é privilégio e elitista. Aí que eu reforço a nossa responsabilidade. Porque se a gente está nesse lugar de fala, o privilégio corresponde sempre a uma responsabilidade. A gente tem a responsabilidade de levar isso adiante.

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João Guilherme Brotto

Jornalista e co-fundador de A Economia B. MBA em Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular e Multiplicador B do Sistema B Brasil. Baseado na Espanha, está sempre viajando pela Europa para cobrir eventos e investigar tendências de sustentabilidade, regeneração e ESG.

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