Histórias B

FAMA Investimentos: a empresa B que subverte as premissas do mercado financeiro

fama investimentos e fabio alperowitch

Conheça a história da FAMA Investimentos, que prova que qualquer empresa pode ser “melhor para o mundo”, independentemente do mercado em que atue

O que hoje chamamos de boom ESG começou em 2004, com a carta de Kofi Annan (então Secretário-Geral da ONU) conclamando o sistema financeiro a mudar. Nós falamos sobre isso no artigo “A obsessão pelo lucro acima de tudo está com os dias contados?”.

De lá pra cá, eventos importantes (como o lançamento da Agenda 2030, em 2015) contribuíram para o cenário atual, com o mercado se adaptando às demandas ESG – ainda que motivado pelos objetivos de sempre. 

Esses marcos históricos, reforçados pela pandemia, pelas demandas das novas gerações, pela concentração de renda e pela constatação de que a insistência no modelo econômico que nos trouxe até aqui vai colapsar o planeta, despertaram preocupações até então irrelevantes para o mercado financeiro. 

A carta que impulsionou o novo normal entre gestores de recursos

Como resultado disso, em janeiro de 2019, um dos membros do alto escalão de Wall Street assinou o que talvez seja o documento mais importante produzido pelo mercado financeiro nos últimos anos. Trata-se da carta anual de Larry Fink, CEO da BlackRock (maior gestora de recursos do planeta). Nela, Fink declarou que a mudança climática se tornaria um dos pilares de sua política de investimentos.

E não parou aí. No comunicado de 2021 a cobrança aos CEOs aumentou. A BlackRock quer um mundo carbono zero até 2050, e quem não tiver isso como foco vai sair do portfólio e do radar da gestora.

As cartas de Fink revelam ao mercado de que empresas egoístas e negacionistas vão deixar de abocanhar uma fatia dos quase 9 trilhões de dólares geridos pela BlackRock.

A democracia do capitalismo é assim. Uma canetada de um gestor trilionário ou um tweet aleatório de um bilionário (como os de Elon Musk sobre #escolhaseutema) tem o poder de impactar instantaneamente o mercado. 

O que faz uma tendência acontecer?

A imagem abaixo é um retrato da atenção do mundo ao ESG desde 2004.

Todo e qualquer especialista que ouvimos concorda que não se trata de uma onda, mas de uma nova fase no capitalismo. Seja por razões genuínas ou de mercado, as empresas estão em transformação e buscando se adequar a um contexto desafiador para quem nunca se preocupou com nada além do lucro e do retorno ao acionista.

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O gráfico registra o crescimento no volume de buscas pelo termo ESG no Google a partir de 2004

Há alguns anos, entrevistei David Mattin, então diretor global de tendências do Trendwatching (uma das maiores autoridades em análise de tendências). Quando perguntei o que faz com que algo passe de tendência para realidade, ele explicou que uma tendência ocorre quando vários movimentos se conectam, o que pode levar até mesmo décadas para acontecer. 

No caso do ESG, o combo composto por avanços tecnológicos, urgência climática, documentos históricos, mudanças no comportamento de consumo e transformações geracionais é certeiro para explicar o argumento de Mattin.

Mas outro elemento que ajuda a formar uma tendência é a ação dos que já estavam lá quando tudo era mato. Fabio Alperowitch é um deles.

A FAMA Investimentos

Fabio Alperowitch - FAMA Investimentos_
Fabio Alperowitch

Fabio é sócio da FAMA Investimentos, gestora de recursos fundada em 1993 para gerir 10 mil dólares de recursos de amigos e familiares. Hoje, 80% dos ativos sob gestão da FAMA (aproximadamente R$ 2,6 bilhões) pertencem a investidores estrangeiros.

O fundo FAMA FIC FIA é o produto financeiro da casa e reflete o discurso ESG e a certificação B – que a empresa possui desde 2020.

Todas as decisões de investimento que compõem a carteira do fundo passam por uma análise criteriosa. “Desde 1993 só investimos em empresas alinhadas aos nossos valores pessoais, empresas éticas, que respeitem as pessoas, que façam uso de produtos que não façam mal às pessoa e à natureza”, conta.

Em resumo, pode-se dizer que o processo decisório de investimento da FAMA é muito amparado pela Agenda 2030. A tabela abaixo dá uma ideia disso. 

Trecho da Política de Investimento Responsável e Stewardship da FAMA Investimentos 

fama investimentos: processo de decisão de investimento

“A Política de Investimento Responsável e Stewardship da FAMA Investimentos busca estabelecer práticas e processos internos e servir de referência para qualquer público interessado em conhecer nosso posicionamento, visão, filosofia e prática em relação a investimentos responsáveis. 

Para nós da FAMA Investimentos, investir responsavelmente significa alocar recursos em empresas de alta qualidade e que geram valor para seus diferentes stakeholders, respeitando a ética, as boas práticas de governança corporativa, os direitos humanos e o meio ambiente. 

Entendemos que apenas integrando estas questões à análise e avaliação das empresas é possível ter uma visão holística, contemplando os principais riscos e ameaças, as vantagens competitivas de longo prazo, assim como oportunidades de criação de valor e aceleração de crescimento. 

Ao investirmos responsavelmente, garantimos o cumprimento do nosso dever fiduciário de obter rentabilidade com controle de riscos e ao mesmo tempo contribuirmos para a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU”, resume um trecho do documento que apresenta a política de investimento responsável da casa.

Além disso, a FAMA é signatária do Principles of Responsable Investing (PRI), movimento global independente que reúne bancos e casas de investimento que nasceu em 2005 como um desmembramento da carta de Kofi Annan, e da Disclosure Insight Action (CDP), ONG que ajuda empresas na gestão de seu impacto ambiental. 

Pegada de carbono do portfólio FAMA Investimentos x Ibovespa

Outra preocupação importante da FAMA é reportar a pegada de carbono do seu fundo.

O gráfico abaixo, por exemplo, compara a diferença do volume de emissões de carbono entre as empresas listadas no Ibovespa e as do portfólio FAMA FIC.

O seguinte, compara a pegada de carbono das empresas que fazem parte do fundo da FAMA com a das que estão no Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 (ISE). 

pegada de carbono - fama x ibovespa
FAMA X Ibovespa: pegada de carbono da carteira é 97% menor
pegada de carbono - fama x ise
FAMA X ISE: pegada de carbono da carteira é 94% menor

Tamanha discrepância é explicada por Fabio em um artigo sobre o tsunami ESG, publicado na revista Investidor Institucional.

Em tese, empresas do ISE e do Novo Mercado deveriam estar bem resolvidas nesse quesito. Porém, o fato de o ESG contemplar muita subjetividade abre um precedente para o chamado greenwashing

“O crescimento abrupto do ESG em um campo ainda fértil tem provocado outro fenômeno denominado greenwashing, que nada mais é do que empresas, fundos e investidores tentando parecer possuírem melhores práticas do que de fato possuem.

Por exemplo, uma empresa de varejo têxtil deveria endereçar em seu relatório de sustentabilidade as questões de uso de água, gestão de resíduos, crueldade animal, mão de obra infantil ou semi-escrava, que são os fatores críticos para a sua atividade no âmbito socioambiental. Contudo, é bastante comum encontrarmos um relatório repleto de iniciativas interessantes na área de educação ou apoio a ONGs, que são, sem dúvida, louváveis, mas que não tratam do que deve ser tratado.

A empresa, neste caso, vende-se como socialmente responsável, sem que de fato o seja. Desavisado, o analista conforta-se por entender que a empresa faz o bem. E erroneamente a considera como tendo alto padrão de ESG.”

Advocacy e certificação B como meio para mudar o sistema

No final de 2018, a FAMA Investimentos completou 25 anos. Fabio, que escreve os relatórios semestrais da casa de investimentos, queria fazer algo diferente para celebrar a marca…

“O mercado financeiro infelizmente não debatia direitos humanos e o meio ambiente há décadas, foi um assunto ideologizado no mercado e, por isso, repelido. Então, entendemos que precisávamos ter um papel também em promover esse debate. As questões de ESG estavam ficando mais relevantes nos EUA  e começando a chegar aqui, mas de leve. Assumimos então uma postura pública de falar ‘vamos fazer advocacy, vamos defender o nosso posicionamento publicamente, vamos participar de manifestos, vamos nos posicionar.’ Essa foi uma decisão que tomamos em janeiro de 2019. Tínhamos acabado de passar por um processo eleitoral muito duro e com uma agenda muito anti-socioambiental.”

Uma das formas que a empresa encontrou para se tornar um agente de influência e transformação foi buscar a certificação B. “No momento em que entendemos nosso papel de fazer advocacy, de falar para o mundo, melhorar as práticas etc., entendemos que era fundamental termos a certificação. Afinal, a partir dela poderíamos incentivar nossos concorrentes a quererem essa certificação e, com isso, melhorar as suas práticas. 

Além disso, nos tornamos signatários do Pacto Global, do CDP, passamos a reportar pegada de carbono do nosso portfólio etc. Ou seja, passamos a fazer uma série de coisas – inclusive nos tornamos bastante ativos em redes sociais como o LinkedIn e Twitter”, conta.

As postagens do perfil pessoal do Fabio, aliás, são uma das melhores coisas que aparecem na timeline da rede das fanfics e dos  egos inflados. Pode esperar por bom senso, ironia, debates inteligentes e críticas certeiras. 

Linkedin Fabio Alperowitch - fama investimentos-min
Um dos posts de Fabio no LinkedIn

Certificação B é o reconhecimento de uma cultura enraizada, não uma promessa

Em uma entrevista que publicamos aqui, Francine Lemos, diretora-executiva do Sistema B Brasil, órgão responsável por certificar as empresas B no Brasil, disse que ser B é “uma direção, não uma promessa”. Ou seja, nenhuma empresa consegue se certificar quando a essência B ainda não está presente. 

Isso fica claro na jornada de certificação da FAMA, que foi tranquila porque a empresa já era alinhada às exigências do Sistema B. “A única dificuldade é que é um processo longo, cheio de questões, mas não tivemos que mudar nada internamente. Sinceramente, já éramos bastante alinhados com os pensamentos de empresa B”, explica.

Porém, ainda que a FAMA já fosse uma empresa preocupada com questões sociais, ambientais e de governança, Fábio se orgulha de ter conseguido a certificação. Afinal, o selo confirma que a empresa está trilhando o caminho certo.

“Ainda que eu já tenha essa cultura em mim e na minha empresa, uma coisa é eu achar que eu estou no lado certo; outra é vir uma certificação de uma entidade que é extremamente respeitada. É importante para nós. Uma coisa é a gente se apresentar para fora como a FAMA Investimentos, outra é se apresentar como uma empresa B. É quase um sobrenome, que fala bastante sobre os nossos processos.”

Para empresas interessadas em se certificar, Fábio alerta: a certificação deve ser motivada por cultura e não por marketing. “Isso para mim é essencial. Aquela empresa que for motivada por marketing, muito provavelmente não conseguirá se certificar. Acredito que esse trabalho interno, de cultura, é superimportante. Se for feito, a certificação fica muito natural”, analisa.  

A história da FAMA mostra que qualquer empresa pode ser “melhor para o mundo”, independentemente do mercado em que atue. Ter um desejo genuíno, pensamento estratégico e entender seu papel nessa jornada é o caminho. E se até o mercado financeiro se rendeu, sua empresa também pode. Os artigos abaixo podem ajudar.

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Colaborou: Lucas Basilio

Foto em destaque: Robert Bye on Unsplash

João Guilherme Brotto

Jornalista e co-fundador de A Economia B. MBA em Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular e Multiplicador B do Sistema B Brasil. Baseado na Espanha, está sempre viajando pela Europa para cobrir eventos e investigar tendências de sustentabilidade, regeneração e ESG.

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